O Auto-Enterro
O que agora vou contar
Ocorreu de tal maneira
Que parece brincadeira.
Mas verdade eu sei que é,
Então pode botar fé
E se pôr a escutar.
Homem tinha na cidade,
Homem rico, coronel,
Engomado e de chapéu.
Era dono de fazenda
E vivia só da renda
Desta grã propriedade.
Mas vivia solitário
Num ilustre casarão
— Vida erma, ermo coração —;
Sem família, só o criado;
Morreu só, ao dinheiro atado:
Eis o dito fato hilário.
Ocorreu que no velório
Deste excelso militar,
Por não ter familiar
Que o seu corpo cortejasse,
Seu criado planejasse
Um belo ato escapatório.
Deu-se então que este criado
Resolveu oferecer,
A que certo merecer,
Razoável pagamento
Do não feito testamento
Deste vil amesquinhado.
E bem alto proclamou:
"Este pobre que aqui jaz
Não achou a sua paz
No outro mundo. Eu lhes suplico
Que o ajudem, e então rico
lote, que este bem somou,
Em teu nome eu lhes darei."
Num segundo toda a gente
Se achegou subitamente
Para junto do caixão,
E com toda a atenção
Escutaram como a um rei:
"Peço a quem quiser o prêmio
Que se achegue até aqui,
Mas só quatro irão cumprir
A tarefa de enterrar
Este pobre que aqui está;
E então cumpro este convênio."
Não só quatro, mas a turba
Toda armou ao corpo um bote
Na disputa ao grande pote.
A contenda estava armada:
Alguém fez um pau de espada,
Mas saiu de cara rubra.
E naquela confusão
De querer levar defunto,
O caixão num só segundo
Escapou de toda a gente,
E a ladeira mais à frente
Foi que fez a condução.
O caixão desceu num triz
Indo rumo ao cemitério,
E eu agora falo sério
Sem fugir da fala certa:
Sua cova estava aberta,
E isso eu sei que tudo diz.
O ataúde do mesquinho
Se enfiou na justa cova
E a cidade toda é prova
Que o meu dito não tem erro:
Que pra não gastar no enterro,
O avarento o fez sozinho.