Meu fígado é ruim
como convém aos poetas.
Fornece-me um humor peculiar.
Eu que tenho corrompido a trajetória da bílis.
Que tenho enrolado a língua como se fosse tapete.
Que tenho hesitado,
justamente na hora mais decisiva.

Meus olhos míopes também são péssimos.
Sem os óculos
tudo parece embaçadiço 
Tudo se torna uma paisagem
pintada por Monet
que impressionava
com cores e formas claudicantes.

Essa anatomia provisória e atual 
Em nada me favorece...
sinto dores...
como se fosse lirismo tardio,
ou arrependimento...
de ter nascido...
e crescido justamente
em direção do reumatismo.

As ruas maliciosas escavam buracos
estratégicos, 
prontos a me fazer tropeçar
e, a pular degraus com
a graça de um gafanhoto bêbedo.

Tenho certo constrangimento
da estética de minhas mãos
são longas demais
e com dedos compridos...
Não são bonitos e roliços...
parecem gravetos 
gemendo em pleno outono.

E quando um apontar se faz necessário.
Há a incômoda sensação de
estar invadindo o espaço íntimo 
alheio...

A verdade é que sou completamente
sem-jeito.
Os manejos e as mesuras
são por demais complicadas
para pensamentos tão cartesianos e
simplificados...

Não presto muito atenção 
na combinação de cores,
e, nem na superposição de grafismos
Fico a matutar sobre 
esses enigmas absurdos
impunemente inscritos
em nossos corpos...
e, servindo de símbolo provável
por uma realidade caótica.

Prefiro tons lisos e uníssonos...
Monotónos porém comportados.
Prefiro ser a moita do cenário
algo que ninguém note...
Mas, infelizmente,
há algo em mim,
que faz os olhares procurarem 
com sofreguidão
uma inexatidão precisa...
dispersa e contida...
no meu enorme
sem-jeito de ser.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 27/04/2015
Reeditado em 12/03/2018
Código do texto: T5222355
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