Boca Açucarada
Meu pai é um agricultor que conseguiu completar os estudos até a quarta série porque tinha que trabalhar na roça, mesmo com dificuldade ele quase todas as noites lê nem que for uma página de livros espíritas que ele gosta muito. Um dia ele chegou em casa com um embrulhinho de presente pra mim, era um livro. Naquele dia eu entendi o tamanho do amor de um pai por um filho...
Ai que vontade que me deu nessa fria madrugada
Vasculhei a geladeira em busca de uma deliciosa marmelada
Os tempos são difíceis para todo mundo e isso é natural
Imagine para uma moça que tira seu sustento da zona rural
Então lembrei que na casa ao lado tinha um pé de marmelo no quintal
Sem malícia feito a " Gabriela " de Jorge Amado
Menina faceira exalando na pele o aroma de cravo e canela
Nem vi o vizinho que me espiava pela fresta da janela
Apanhei a fruta que ainda estava orvalhada
Na primeira mordida senti minha boca toda açucarada
Lá vem meu austero pai furioso arrastando o surrado chinelo
Pai não leve a mal é só poesia
Não criei filha minha para se comportar como vadia
Para aprender vai apanhar com vara de marmelo
Aquela que na perna deixa vergão
Nada comparado a sede de aprender do meu coração
Vou queimar esses seus livros que enchem sua cabeça de porcarias
Pai qualquer castigo mais não tire de mim " Os Lusíadas "
Mulher essa menina não é normal !
Não criei filha minha para ser uma moça sensual
Marido acalme-se homem do céu !
Ela só é nossa filha amada que Deus nos enviou do céu
E os livros que ela lê não tem nada de mais
Não tem perigo de quando ela crescer se tornar uma poetisa da vida nos confins da cidade de Batatais
Vamos entrar porque não tarda a amanhecer
Foi aí que os primeiros pingos de chuva começam a escorrer
Na pele morena da menina que no telhado chorava
Enquanto o vestido molhado as suas curvas moldava
E o vizinho pecador pela fresta só se deliciava
Enquanto a chuva caia manhosa das nuvens do céu
Penetrando como dedos carinhosos em meio aos longos cabelos negros de Raquel
Concebida pelo santo e discutível pecado original
Era castigada em nome da decência e da moral
Que culpa tinha a moça por ter nascido com uma sensualidade natural
Quando andava não balançava os corações
Nem ali no telhado tinha segundas nem terceiras intenções
Só ficava perigosa e provocante quando recitava Camões...