Depois da quarentena

Assim que o depois

chegar

aqui nas ruas inevitáveis

em festa,

sem olhares e frestas

das janelas com medo,

os homens cantarão

e as lágrimas,

crianças não mais furtivas

de dores e morte,

ressuscitarão:

haverá danças frenéticas pelos bares,

milhares,

milhões.

Os grilhões virulentos

rompidos,

estampidos nos céus

das cidades de convalescenças

sem máscaras e gel.

O álcool depois será

o sorvido em brindes,

em farra abrupta e mel.

A quarentena acabou!

A quarentena acabou!

Gritará o louco da esquina

que, por milagre e sina,

sobreviveu.

A quarentena acabou!

A quarentena acabou!

Dirá o voraz amante na seca

que, por vigilância e rima,

compreendeu.

A quarentena acabou!

A quarentena acabou!

Agradecerá o anacoreta

que, por penitência e cisma,

subverteu.

Por todos os sete cantos

do mundo

a vida e a seiva

verterão, renovadas mães e meninas.

Médicos, sanitaristas, infectologistas, enfermeiras,

mendigos ungidos, kamikazes bacteriológicos falidos,

padres sem hóstias, ateus niilistas de centro acadêmico,

poetas puristas, cientistas.

Cientistas!

Cientistas salvai-nos! Deus!

Todos, todos soltos nas pistas!

Nas cristas crísticas das ondas apocalípticas purulentas

microscópicas vencidas, enfim!

Nos fartaremos no vindouro,

na doce e rançosa esperança

do comemorar nas massas,

nas missas,

nos folguedos de redenção.

Até o político pateta da faixa de ouro e esmeralda (esse não!),

até os palanqueiros de oportunismo e eleição,

os estetas da ignomínia e da ignorância,

as prostitutas fellinianas

e as freirinhas do convento secular carmelita.

E todos nós também, perplexos!

Todos nas ruas!

Todos,

torpes ou sãos,

iluminados pelo gozo da vida.

Da vida de volta, rediviva?

O depois da quarentena

será bonito de se ver.