COMERCIAL DE MARGARINA COLETIVO

Em uma quarta feira qualquer

Juntei palavras em um texto que mudaria a vida

Colei madrugadeira pelos muros da cidade.

Amanheceu.

Quem leu, boquiabriu

A lavadeira deixou a trouxa cair

O ciclista por pouco não trombou no poste

A correria foi tanta

Que ventou nas saias das meninas

O semáforo piscando feito luz de Natal

O rasante do pássaro assustou o guri

Que caiu para trás com o peso da mochila

O caderno se abriu

E folhas escritas bateram asas naquela direção…

Nuvens escuras foram se despedindo

O sol morninho arrancou suspiros e agasalhos

(Os ousados despiram também outras partes)

Moças desprenderam cabelos, retocaram batom

O casal tímido resolveu se abraçar

A senhorinha girando a bengala no ar

Uma música começou a tocar… Aaah!

E em uma quarta feira qualquer

(Se contar ninguém acredita)

O tempo parou, o povo dançou

E por um minuto eterno a tristeza se foi

Em fileiras sincronizadas

Mãos levantadas, corpos embalados

No compasso da música

Uma chuva multicolorida caiu do céu

Cada gota pintava o cenário

Um sabor diferente em cada cor…

Línguas de fora, braços em ondas

Toda dor subindo, girando em espiral

Desconhecidos se abraçaram

Pretos, brancos, ricos ou pobres

Motoristas estacionando os carros

A vaidade, os falsos pudores, a vergonha

Arrastados pela enxurrada multicor

Sorrisos escancarados, mãos dadas

Ritmo que todo mundo sabia de cor

E em uma quarta feira qualquer

(E pela primeira vez na história)

Um comercial de margarina coletivo

O ódio, o rancor, a inveja, a desumanidade

Feito lagartixas cascudas subindo os muros

Explodiram como pipoca em óleo quente

Desabrochando flores perfumadas

Confortando o coração de toda a gente…

[Nivea Almeida, 25.10.2017]