QUERO DE QUALQUER JEITO, SER FELIZ!

Estou cansado de tudo o que tem que ser...

De como devo flertar com a virtude,

Amar, convincente, minha mulher

E ser, só por isto, reciprocamente amado

Pagar as malditas contas no dia certo

Comprar comida no supermercado

Esperar passar a chuva em lugar coberto

Trabalhar bovino de segunda até sexta

Receber por mês, descrente, um bom salário

Ir envolto em sacolas à feira, comer pastel

Jogar conversa fora nos jantares de sábado

Almoçar ressacado domingo na sogra

Jogar aquele velho futebol de quinta

E ao largar a bola, encher a cara

Numa ou noutra noite, ter um gozo,

Virar suado de lado, sacana e esvaziado

E perceber certa manhã no ritual do espelho,

Que os olhos, a cada dia, estão mais fundos...

Por Deus...

Quando virá aquele inferno inesperado?

O fôlego estuporado, perdido

A incerteza de um céu caindo

Sobre um mar de ardente lava,

O famoso fim de mundo desprogramado?

Desçam breves cavaleiros do apocalipse,

Pisando impiedosos nestas cabeças escravas!

Quero logo o mórbido temor

De que a vida talvez me escape;

Presenciar em pânico

A fuga em massa das almas;

Quero um quase certo morrer

E um irresoluto e vacilante viver!

Quero um contínuo "por um triz"

Entre choros e rangidos de dentes

Quero sim...

Valorizar todas as coisas

Que não tenho e jamais terei

E que, por isso mesmo, desdenho

Quero, sem saber como,

Sem buscar modo,

De qualquer jeito mesmo,

Nem que morra o mundo inteiro,

Ser feliz!