Ela

Dia comum começa

Sem pressa. Nenhuma pressa

Na casa dela

Os olhos na janela

Vêem o mundo

Voar depressa

Tão depressa, e ele passa embora

O dia corre, escorre,

se espalha pelas cidades e ruas

O céu chove

Embaça a vidraça

Dia comum

Ela trabalha. Faz café

Manda as crianças para a escola

Vida comum

Invisível

Mas ela sonha sem pensar

Sem pressa

De mudar

Depressa

Sempre a sonhar

Um dia ela inventa novidade

No outro ela apanha em silêncio

Dia comum vai passando

Dia comum chora

Tão igual

Ela nem nota

O passo é sempre descompasso

Dia comum renasce

Sem motivo

Rotina

Filhos, marido e jantar

Ela, na janela sonha

Roupas ela estende

Lava, passa, cozinha, cuida. E sonha

Lentamente, pesadamente, na quietude das horas

Os dias são breu, ponteiros do avesso

Expectativas em banho-maria

Trabalha sim, mas os sonhos seguem sem realizar

Nessa sonata sempre igual

O disco segue repetindo sempre

Arranhando, defininhando

Vida de uma nota só. Uma só nota

Dia comum é vivido

Apenas por viver

E renasce sempre com esperanças de morrer

Sem pressa

Ela começa a ver

O que nunca fez

Depressa

Começa a querer amar. Sem vida

Desaprende a trabalhar. Não vive

Um tapa daqueles que não aceitam

E perde a vontade de continuar

Mas ela ainda segue

A girar e tocar e a mesma rotina cantar

Qual o motivo disso tudo?

Ela perde os dias, nunca faz o que quer

Perde então a única vida

Que lhe foi dada pra viver

As vezes, muitas vezes, ela só queria ser um deles

E espantar a dor

De quem segue sendo ninguém