Se...

Se...

Se eu fumasse, estaria agora sentada em um banco de uma praça qualquer. Cigarro entre os dedos e os olhos difusos acompanhando a fumaça enquanto ela estaria ganhando formas a minha frente, como aquelas nuvens que insistimos em associa-las a algum desenho, a alguma pessoa, a algum sonho remoto. Mas eu não fumo, e detesto fumaça de cigarro. Detesto aquele descaso pela vida que todo fumante aparenta ter, e a calma que aquele pequeno objeto traz a ele.

Se eu bebesse, poderia estar em um bar qualquer tomando cerveja e observando as pessoas mostrando um outro lado, o lado mais desinibido que o álcool traz, o lado da verdade, o lado que insistimos em esconder atrás dos nossos rostos banais e apáticos do dia a dia. Mas eu não bebo, estou em casa, um pequeno quarto que agora chamo de lar, que agora acalenta minha alma e me afasta de toda aquela felicidade.

Se eu amasse, estaria agora deitada em um colo qualquer olhando as estrelas brilhando sobre nós, olhando o infinito em um par de olhos e pensando o porquê de sermos tão finitos. Mas eu não amo. Estou sozinha olhando o teto, olhando a luz fraca piscando por causa dos insetos que fazem dela seu sol, sua sina. É o meu sol também, pois é o único momento do dia que me sinto aquecida por aquela luz fria. Muitas vezes me vejo como aqueles insetos perseguindo algo artificial, sem vida. É como se o mundo lá fora fosse aquela lâmpada e todos nós os insetos que a perseguem em uma tentativa vã de alcançar algo. A luz não está lá fora, está dentro e nós, demorei muito tempo para perceber isso.

Se eu não tivesse desistido, estaria agora em um escritório, bem vestida e seguindo as regras à risca para ter uma vida boa e plena segundo os ditos vencedores desse mundo. Mas eu desisti, e sinto, verdadeiramente, que foi a única decisão certa que tomei na vida. Tudo que vivi, graças a isso, me fez maior, por dentro, do que eu jamais poderia ser por fora. Não há mérito em vencer quando essa vitória te derrota por dentro.

Estou tentando entender o que estou sentindo, tentando compreender porque nós, a espécie racional, somos tão difíceis de se conviver. Chego a um ponto de pensar que talvez toda essa dificuldade de convivência seja por tentarmos ser tão racionais, pois o amor, a paixão, a caridade entre outros sentimentos tão bonitos que podemos sentir, não vem dessa parte, do pensar, e sim do sentir. E muitas vezes vejo que pode ser por deixarmos os sentimentos prevalecerem sobre a razão. A razão e os sentimentos são como um velho sábio e um animal selvagem, ambos famintos, convivendo juntos em uma caverna. Em algum momento um vai devorar o outro. Sem nada para devorar, com o tempo, devorará a si mesmo. Há uma linha, muito frágil, e tênue entre o sentir e o pensar. Nós nos confundimos muito entre coexistir e existir. É fácil se confundir quando tudo que o mundo e as pessoas de hoje oferecem são superficiais. Não os culpo, é tudo tão legítimo até você fechar os olhos e sentir o coração. É complicado entender quando tudo que vemos nos ludibria à estase. Os sorrisos que mostramos nesse mundo só escondem os fantasmas e demônios dentro dos nossos olhos.

Por que eu sinto que estou fadada a tentar descomplicar as pessoas? Talvez seja porque eu seja uma das únicas pessoas que vê os detalhes das tramas da vida para cegar as pessoas. Nada mais justo em perder o resto da minha vida para ajudar algumas a se desprenderem dessa trama. Talvez no fim de tudo eu consiga tecer a minha própria trama. Talvez essa seja minha sina, talvez. Há uma recompensa para toda alma, devemos escolher se queremos recebe-la em vida ou após a morte. A sabedoria nos dá essa resposta com o tempo.

Essa loucura insana em que o mundo nos permite nos perder é quando nos encontramos e, quando nos encontramos e nos afastamos do mundano, é quando nos perdemos de novo, pois o único lugar que nos resta viver é o mundo para o qual despertamos, e esse mundo é pequeno demais para abrigar o que nos tornamos.

Eu me libertei...

Apenas para ser encarcerada pelo que me tornei.

R F Farask
Enviado por R F Farask em 22/12/2021
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