Os últimos poemas delirantes
Para Antonin Artaud e Erik Satie
Vou aproveitar que a febre
ainda não passou
e escrever meus últimos poemas delirantes.
Vou aproveitar que a quintessência
ainda está morna
e escrever meus últimos poemas delirantes
nas insígnias de uma morte
ainda inexplicável e opaca.
Vou aproveitar e escrever meus últimos poemas delirantes.
Na segunda-feira,
pela manhã,
de café tomado e fel,
barba feita e superficialmente
escanhoada a miséria,
seguirei ao ofício que detesto,
ao encontro dos colegas de trabalho
que não conheço o propósito e,
solenemente,
ignoro.
Solenemente voltarei
ao automatismo sempre gentil
de nossas trajetórias,
dinheiro parco,
minguadas esmolas,
brutos reconhecimentos,
sentidos mofados e redenção
de sextas-feiras de misericórdia.
Misericórdia!
Vou aproveitar a modorrenta
perspectiva desses embates
e escrever meus últimos poemas delirantes.
O depois não incide.