SAUDADE DA POESIA
Houve um tempo em que eu podia ser poeta
Num arremedo de arte, transpor para qualquer parte
A dor lancinante dos que, solitários, lêem o mundo
Houve um tempo em que eu poderia
Descrever os olhos dos que têm fome
Em versos livres esvoaçantes, feito navalhas
Lá no passado, antes das escolhas que a gente faz,
Eu poderia escrever, sem este grito entalado na garganta
Sobre vida, morte, mística, alienígenas, azar e sorte
Sobre justiça e seu oposto
Sobre o veneno e seu suposto gosto
Sobre o labirinto, sobre a incerteza
Sobre a infinitude desta existência
Quem sabe, sobre a demência...
Sob a sombra do receio
A Palavra cala
Sob a mão do que me odeia
A Palavra cala
Este fantasma agora se agiganta, quebranta
Aridez de alegria
Mas ainda assim, avante!