Jóia rara
Jóia rara
Quando sentires uma incontrolável vontade de chorar, navegante esquecido; quando achares que o mundo inteiro te virou as costas
Aquietas o teu solitário coração e refreias o teu impaciente corcel, e te juntas ao pássaro noturno que tristemente canta sem tino e sem paga
Recolhes diligentemente os pingos de chuva que se misturaram as tuas rebeldes lágrimas, pois um novo dia já atropela esta manhã que ora, agonizante, se acaba
Os pequenos e grandes amores de tua vida, empilhados num armário empoeirado, são tal e qual as folhas de um velho e encardido calendário, do qual o vento carrega as folhas soltas.
Já não há mais amargura digna de se prova em tua fina taca refinadar; o inverno dos novos hábitos congelou nossos mais promissores planos de redenção
Em volta de nós, impera a decrepitude dos costumes; o desamor cavalga a rédeas largas, a fustigar com seus dentes arreganhados, pálidas nubentes virginais
O sonho morreu precocemente de inanição, meu caro, e seu corpo descarnado foi entregue aos famintos abutres, em ressarcimento de esquecidas dívidas colossais
A refeição que pediste esfria na mesa nua; o teu finado apetite foi retira as pressas, tua visão de mundo foi torpedeada pela realidade moldada nos parâmetros da alienação.
Emfim, meu companheiro de jornada, recomendo-te que te ajeites como puderes nesta travessia, pois nossa avariada embarcação não terá reparos
Preparemo-nos para batalha incerta e sem tréguas por uma sobrevivência na qual não vemos sentido; o fundo do mar muito melhor nos seria
As nossas esperanças, meu caro argonauta, murcharam com as pobres flores intoxicadas, e nos avisam que não colheremos os frutos que nos caberia
Adiante, Jasão! Libera este teu prisioneiro da garganta; chores como fazem os órfãos abandonados na roda dos conventos, brinde-nos com este teu sentimento tão raro.
Terras de Pasárgada, meados de Agosto de 2019