Um cigarro e um sonho

A luz precisa das trevas para provar a sua existência, assim como o bem e o mal, a saúde e a doença e todas as outras coisas no universo seguem essa mesma regra. Não é diferente com a felicidade e a tristeza.

O cigarro não terminado caído na poça da chuva me lembra meu sonho de felicidade ali, caído, não terminado, encharcado por uma chuva que insiste em cair, por uma chuva que empoça, alaga e estagna o lixo.

O cigarro não é meu, não faço ideia de quem era, mas estava com pressa. Me agacho para ver de perto, não reconheço a marca, não é sujo de batom e nenhum outro detalhe me faz imaginar seu dono, a não ser que ele tinha pressa. Assim como meu sonho, ali, largado pois tenho pressa, pois todos temos pressa. Resultados imediatos, sorrisos eternos.

Nunca imaginei que meu sonho fosse tão parecido com um cigarro inacabado, ainda mais em um lugar tão comum, em uma chuva tão presente. Julgar seu sonho especial é se decepcionar duas vezes, ou ser feliz duas vezes. Julgar esse cigarro especial é desperdiçar metade do prazer que proporciona, ou aproveita-lo em dobro.

Logo um cigarro, penso ao levantar. Meus olhos estão fixos ali, naquele cigarro afogado na poça, sem nunca poder ser terminado. Igual ao meu sonho, sem fim, não por ser eterno, mas por ter sido abandonado.

Será que se esse cigarro fosse secado, ele poderia ser terminado? Assim como meu sonho, se resgatado, poderia finalmente chegar ao fim? Mas com tantos cigarros iguais a esse, porque se dar o trabalho?

Com tantos sonhos, porque se dar ao trabalho?

Seria esse cigarro tão especial?

Seria meu sonho tão especial?

E tudo por causa da chuva.