Carícias Do Nada

De cada morte em mim

Duvido muito

Que algo ressuscitador

Eleve em tudo

O grito perdido

De alguma alegria tida.

Tanto chorei,

Lágrimas duras,

Lágrimas surdas,

Águas trevosas tênues,

Esquecidas pelos vivos,

Eternizadas pelos mortos.

Mortos estão

Todos os meus sonhos,

Célebres,

Vazios

Ou ilusões vagas

De qualquer tensão

Para um nada.

A sombra,

Morta sombra,

Agonizante faz

A última luz

Da minha sofrida alma.

Meu túmulo rachado:

Alguém viu?

Morri há muito,

Ocupo o berço inato

Da felicidade material

Do que nunca foi matéria

Nem será felicidade,

Nem é um corpo.

Nego,

Niilista puramente,

A doce fraqueza

Que a tantos leva

Ao rijo torpor

De algum amor.

Por tudo inexistente

No existente Eu

Da minha resistente

Existência trêmula,

Amor é Nada,

Nada tive no amor.

Algo até tive no amor,

Algo até que digo ser

A mais transcendental dor,

Dor de nada,

Dor em nada,

Dor angustiante,

Dor aterrorizante,

Dor agonizante

Que nunca se angustia,

Que nunca se aterroriza,

Que nunca agoniza,

Que nunca morre,

Como eu morri,

Como eu morri...

Quando ouvi

O meu coração bater?

Ouso ter uma noção,

Tortuosa noção,

Da digna intuição

Da indigna visão

De ter vivido

Respirando,

Ouvindo,

Vendo,

Saboreando,

Apalpando

O Nada no ar,

O Nada no ouvir,

O Nada no ver,

O Nada no saborear,

O Nada no apalpar.

Adagas cravadas estão,

Punhais rasgam a tudo,

Espadas transpassam,

Acaricia-me O Nada,

Espetáculo lindo

Para triste elemento,

Aquilo que é cadáver,

Aquilo que é Nada,

Aquilo que sou eu.

Lamento que o Nada,

Até Tu O Nada,

Não tenha vida,

Não tenha vaga

No que é muito mais

Que Nada,

Que é a minha farsa.

O teatro é o mundo,

Sou ator,

Péssimo atuando célebre,

Obtuso apaixonado louco,

Maldito imaginando oco,

Esquecido representando nada.

Antes de dividir,

Antes de vir,

Eu era o mesmo

Que dentro de um

Ermo viver

Saturava o luto

De tão morto que

Eu me constituía.

Morri desde esse antes,

Morri no ventre

De um pai

Chamado Nada.

As carícias deste Pai

Dão-me ânimo,

O ânimo fatal,

O ânimo final,

O ânimo completo,

Do absoluto conhecimento

Da minha Verdade:

Sou nada acariciado.