Balada Enluarada

Paz na lua,

Pés na rua,

Sigo nua.

E sigo o rastro esdrúxulo da civilização

Pelos descampados das estepes tártaras,

Pelas vinhas mourejantes do Mediterrâneo,

Pela megalópole faminta de cimento e cal

A retratar reticente

Na fuligem, na fagulha, na fumaça

De cada dia,

O imenso amor que punge em meu peito

Pela humanidade.

Pés na lua,

Paz na rua,

Sangro nua.

E sangro em memória da criação,

À imagem e semelhança do Criador.

Sangro em nome do filho,

Do cálice que já não pode ser afastado,

Nem consumido.

Porque

Pedi

E não me deram.

Implorei

E me ignoraram.

Supliquei

E me ridicularizaram.

Meu coração é um ninho de escorpiões

A espera de uma mão amiga que o afague...

Vem da rua

Esta doce cantiga da lua.

Envelheço nua.

Oh! Céus incertos, tortuosos, inexpugnáveis!

Sou as fezes que um cão vadio lambeu por curiosidade

E deixou indiferente às moscas varejeiras.

Sou a cova aberta no precipício

Para abraçar os ossos

Que tu levas a passeio orgulhosamente

E servirá apenas

Como alimento de vermes e minhocas.

Eva, grande lasciva, matriarca velha e desdentada!

Que fizeste de mim senão herdeira de Prometeu?

Por teus caprichos

Meu ventre é um esgoto pustulento,

Onde trago em chamas um abutre embrutecido,

Que me toma por mãe

E dilacera minhas entranhas.

Vem a lua

E põe gotas de prata na rua.

Defeco nua.

O caminho que me deram

Tem espinhos e gafanhotos.

Mas vou nele até o fim dos tempos

Dar de comer aos porcos

e rir da glória do apocalipse

Num estábulo-manjedoura.

Meu nome é Pandora

E não rima com esperança.

Vem a lua,

Vai a rua,

Vida nua.

José Martino
Enviado por José Martino em 12/10/2006
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