Balada Enluarada
Paz na lua,
Pés na rua,
Sigo nua.
E sigo o rastro esdrúxulo da civilização
Pelos descampados das estepes tártaras,
Pelas vinhas mourejantes do Mediterrâneo,
Pela megalópole faminta de cimento e cal
A retratar reticente
Na fuligem, na fagulha, na fumaça
De cada dia,
O imenso amor que punge em meu peito
Pela humanidade.
Pés na lua,
Paz na rua,
Sangro nua.
E sangro em memória da criação,
À imagem e semelhança do Criador.
Sangro em nome do filho,
Do cálice que já não pode ser afastado,
Nem consumido.
Porque
Pedi
E não me deram.
Implorei
E me ignoraram.
Supliquei
E me ridicularizaram.
Meu coração é um ninho de escorpiões
A espera de uma mão amiga que o afague...
Vem da rua
Esta doce cantiga da lua.
Envelheço nua.
Oh! Céus incertos, tortuosos, inexpugnáveis!
Sou as fezes que um cão vadio lambeu por curiosidade
E deixou indiferente às moscas varejeiras.
Sou a cova aberta no precipício
Para abraçar os ossos
Que tu levas a passeio orgulhosamente
E servirá apenas
Como alimento de vermes e minhocas.
Eva, grande lasciva, matriarca velha e desdentada!
Que fizeste de mim senão herdeira de Prometeu?
Por teus caprichos
Meu ventre é um esgoto pustulento,
Onde trago em chamas um abutre embrutecido,
Que me toma por mãe
E dilacera minhas entranhas.
Vem a lua
E põe gotas de prata na rua.
Defeco nua.
O caminho que me deram
Tem espinhos e gafanhotos.
Mas vou nele até o fim dos tempos
Dar de comer aos porcos
e rir da glória do apocalipse
Num estábulo-manjedoura.
Meu nome é Pandora
E não rima com esperança.
Vem a lua,
Vai a rua,
Vida nua.