ONTEM
Ainda ontem meus olhos brilhavam,
Minha boca sorria sem mentira,
Minhas mãos acenavam e aplaudiam.
Ainda ontem caía chuva nas roseiras,
Caía orvalho nos trigais;
E a brisa que me contava
Estórias de fadas
Tinha a voz mais doce
Que caramelo lá da venda.
Ainda ontem eu ria no circo
Dos palhaços e da vida;
E dava amendoim aos bichos
E comia pipocas tranqüilo
Sem me preocupar com os trabalhadores
Vergonhosamente explorados
Para colher o milho.
Ainda hoje eu planejava mudar o mundo,
Montar guerrilhas no Vietnã,
Dançar meu samba favorito nos canteiros do Estácio,
Escrever versos com teu nome
E gritá-los no silêncio das cordilheiras.
Ainda ontem eu gostava de conversar,
Saber das novidades,
Se João casou,
Se Maria voltou para Minas,
Se José comprou televisão
Para ficar sabendo
Se a margarina fica mais cremosa
Em potes de vidro ou de plástico.
E tudo isso foi ontem,
Ainda ontem...
Ontem,
Eu acreditava em duendes,
Eu acreditava na esperança,
Eu acreditava – pasmem! – nos homens.