ONTEM

Ainda ontem meus olhos brilhavam,

Minha boca sorria sem mentira,

Minhas mãos acenavam e aplaudiam.

Ainda ontem caía chuva nas roseiras,

Caía orvalho nos trigais;

E a brisa que me contava

Estórias de fadas

Tinha a voz mais doce

Que caramelo lá da venda.

Ainda ontem eu ria no circo

Dos palhaços e da vida;

E dava amendoim aos bichos

E comia pipocas tranqüilo

Sem me preocupar com os trabalhadores

Vergonhosamente explorados

Para colher o milho.

Ainda hoje eu planejava mudar o mundo,

Montar guerrilhas no Vietnã,

Dançar meu samba favorito nos canteiros do Estácio,

Escrever versos com teu nome

E gritá-los no silêncio das cordilheiras.

Ainda ontem eu gostava de conversar,

Saber das novidades,

Se João casou,

Se Maria voltou para Minas,

Se José comprou televisão

Para ficar sabendo

Se a margarina fica mais cremosa

Em potes de vidro ou de plástico.

E tudo isso foi ontem,

Ainda ontem...

Ontem,

Eu acreditava em duendes,

Eu acreditava na esperança,

Eu acreditava – pasmem! – nos homens.

José Martino
Enviado por José Martino em 12/10/2006
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