Como Viver sem poder Ser?
Como dar conta do que é certo sempre
Se a verdade vem com braço duro?
Para suportar esse veneno seco
Só muito ego e muita cara-dura
À mão estendida vem o pilão certeiro
O copo d’água logo se evapora
A mão à cabeça só encontra espinhos
E o aperto, com peso, tritura os ossos
Como esperar do rio não correr?
Como querer ao dia não nascer?
Como pedir ao ser para não ser?
Como pode o natural fazer sofrer?
O rio corre o leito rindo aos cântaros
O dia nasce com sorriso irônico
Pois o ser não compreende a lição
E o acaso, cínico, segue seu plano
Como então ser natural e espontâneo
Se a natureza e o ordinário pedem outra coisa?
Esquisitas forças, que pisam e gargalham
Enquanto o ser tenta aprender a arte da galhofa
O riso pelo cínico só não lhe basta
Se não pode ser o ser como age o ser, na vida
Pedem-lhe simplesmente estancar o sangue
E não morrer asfixiado, sem arte nem sina
Estátua de sal é como eu lhe vejo
Ao seguir os desígnios da bula sagrada
Que ensina o não-viver tranqüilo
E proíbe o vaso de conter a água
Dúvidas... Mente tranqüila ou ininterrupta?
Como a mão pode ser mão e não poder segurar o jarro?
Como é braço o braço sem suportar a mão que dá suporte?
Como ter a mente lucidez obrigada a ignorar o que a rodeia?
Como ter músculos o coração que bombeia à artéria estrangulada
Como viajar os pés que só podem estancar e dar meia-volta?
Como a boca articula se não pode proferir a verdade nua?
Como os ouvidos servem ao corpo que nada escuta?