À moça loira (que isto nunca lerá)
À moça loira
(que isto nunca lerá)
Tu, tu que és tão bela;
teu rosto harmonioso,
por onde quer que passes,
espalha uma formosura que
em ti não cabe.
Sei que tu sabes,
tu sabes que és como um corpo
cheio de elétrons
e todos nós
- homens ou mulheres,
(quiçá) felinos ou caninos -,
no fractal, sistema
que se repete em sistema,
nós, os outros, nós
somos positivos.
E de onde vêm tantos elétrons?
Ah... ah, tu esbanjas agradabilidade.
Quanta perfeição,
sensibilidade,
uma idéia de verdade,
andando e falando por aí,
dos sentimentos, da sua arte,
de dores que não consegue calar.
Quanta perfeição...
Por que não a distribui
um pouco com os mortais?
O mais torto xingamento
de sua boca sai suave,
de seus dedos, estético;
tenho certeza. Tenho certeza.
Saístes de um filme,
és uma personagem doce e sensível,
linda e gentil,
sensível, romântica, incompreendida;
praticamente Amélie;
de dotes intelectuais invejáveis
e cultura excitantemente atraente;
um clichê ambulante,
de uma real artificialidade e
de ti, tudo a respeito que pensava, eu percebi,
era produto de uma
realidade artificial.
Pois bem,
fostes tua pior propaganda.
Sofres de amores?
Sofres de uma fatal afeição
que te impede a existência plena;
a satisfação, qualquer que seja;
o sorriso psíquico;
a certeza do conforto
nos braços que compreendem?
O ânimo por tal verdade comprometido?
O choro a que todos indicam
o alívio alcólico?
Sofro do mesmo que tu!
Noites em claro,
a mente nela
e toda a sintomatologia típica.
Mas tu pôs-se a falar,
como quem grita sem ponderar,
atropela a todos que por ali estão,
sem sinal algum do decoro que
transparecias no teu ser externo.
Sofro do mesmo que tu!,
entendo a obsessividade desse
afeto tão-quisto, tão-não-quisto.
Conheço os transtornos da mente,
o mapa da problemática,
o fundo do poço;
poderia, gostaria, adoraria,
ouvir-te e ajudar-te,
mas descartaste-me,
ignoraste-me, eu
que ponho-me a desperdiçar
a tinta da caneta,
o fosfato do organismo, por ti;
e teus critérios, tão vis,...
Argh!, que tua superioridade financeira garanta [lhe]
algo de bom.
Não pertenço ao grupo dos
abastados de mansões milionárias,
mas certamente
poderia fazer-te algum bem.
Que critério pobre, não?,
o teu, uma pessoa tão rica...
Agora sei da tua humanidade.
O encanto tu quebraste.
[Que] Possa alguém
Cuidar da tua metafísica.
Tu, bela rica,
pobre alma.
A idéia de verdade
quer permanecer intocável.
A idéia de verdade
não quer ser de verdade.
A idéia de verdade, na verdade,
não é de verdade.