Obsoleto (Passageiro dos dias)
Como posso dizer o que sinto
Se o que sinto mal cabe em uma palavra comum?
Como posso seguir em frente
Se o que desejo não cabe em 100 anos de desilusões?
Talvez as perguntas sem resposta
As respostas sem sentido
Um dia mudem. Um dia brilhem
Talvez amores sem volta
E dias sem amor
Um dia voltem
Um dia tragam tudo de volta
Talvez crianças felizes na relva ao anoitecer
Crianças com tanto para ver
Um dia chorem
Um dia lamentam a amarga resposta da vida
E sintam a nostalgia lhes dominar
Belos dias passados
Como posso seguir um futuro
Se a insegurança de novas estradas vem me assombrar?
Como posso caminhar descalço por pedras que queimam
Por uma terra tão bruta e de línguas afiadas?
Como posso dizer que sou alguém
Se todas as evidências me mostram o contrário?
E todos os meus feitos se dissolvem com o caminhar dos anos
E todas as palavras ditas desaparecem em choro de vergonha
E todos os dias vividos somem em trajetos falsos
E todos as lembranças comigo somem em um retrato nulo
Em uma chama sem calor eu me deito
E me afundo aos poucos cada vez num sono mais profundo
A memória vai me deixar de fora
Os sonhos vão todos logo embora
Os outros vão me esquecer lentamente
Em águas de barro profundo, um prêmio que não quis receber.
Eu me afundo, eu me apago...
Os olhos não enxergam lembranças, presente, perseverança...
Tudo gira em giros sem nexo
Meus ouvidos não ouvem amarguras, passado, vingança...
Afundo no manto frio das noites em branco profundo
Meus sentimentos não sentem vontades, futuro, bonança...
Não há nenhuma lembrança na mente dos outros
O que resta é apenas um homem sem rosto
Sou um passageiro da vida de todos, sempre passando...
Que continuo a viver sem ninguém, sempre seguindo...
Mera lembrança jogada pelos cantos obscuros da vida
Sou apenas mais um passageiro obsoleto dos dias, que passa, e não se nota...