Os dois lençóis
Debrucei-me na janela da cozinha.
O olhar a esmo e a expressão acabrunhada.
E eis que vi olhar-me então minha vizinha.
Cabeça baixa, Taciturna ensimesmada.
Vi que ela segurava dois lençóis.
E no varal da casa os pendurava.
Na fina estampa vi que havia girassóis.
Que o traquino vento levemente balançava.
Notei que parada a vizinha os olhava.
Como se não os visse realmente como tal.
No meu delírio imaginei que vislumbrava,
Não dois lençóis, mas um casal.
Que foram expostos ao escrutínio e julgamento.
De mentes sujas e juízos desvairados.
E como os lençóis foram deixados ao relento.
E como estes pelo vento da calúnia fustigados.
Os lençóis sei que secaram a tempo e hora.
E suavemente foram ambos engomados.
Mas do casal nada mais se sabe agora.
A não ser que hoje choram separados.
Se vos disser que a vizinha a mim fitava.
Através dos tais lençóis não fiques triste.
Apenas saiba porquê tão alheia me encontrava.
E que o tal casal, infelizmente, já não existe.
Adriribeiro/@adri.poesias