Os dois lençóis

Debrucei-me na janela da cozinha.

O olhar a esmo e a expressão acabrunhada.

E eis que vi olhar-me então minha vizinha.

Cabeça baixa, Taciturna ensimesmada.

Vi que ela segurava dois lençóis.

E no varal da casa os pendurava.

Na fina estampa vi que havia girassóis.

Que o traquino vento levemente balançava.

Notei que parada a vizinha os olhava.

Como se não os visse realmente como tal.

No meu delírio imaginei que vislumbrava,

Não dois lençóis, mas um casal.

Que foram expostos ao escrutínio e julgamento.

De mentes sujas e juízos desvairados.

E como os lençóis foram deixados ao relento.

E como estes pelo vento da calúnia fustigados.

Os lençóis sei que secaram a tempo e hora.

E suavemente foram ambos engomados.

Mas do casal nada mais se sabe agora.

A não ser que hoje choram separados.

Se vos disser que a vizinha a mim fitava.

Através dos tais lençóis não fiques triste.

Apenas saiba porquê tão alheia me encontrava.

E que o tal casal, infelizmente, já não existe.

Adriribeiro/@adri.poesias

Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 21/09/2020
Reeditado em 02/12/2020
Código do texto: T7068787
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