desencontratempos
a primeira vez que quase se encontraram
(porque ela saía sempre às oito
[e no dia anterior, o chefe dele tinha dito
chegue às nove
e ele pensou
vou ter que sair às oito])
ele abriu a porta
saiu no corredor
parou, pensou por um momento
retornou pro apartamento
pra pegar a carteira que esqueceu em cima da cômoda
enquanto ela trancava sua porta
e chamava o elevador
e esperava o elevador
e entrava no elevador
e ele descobria que a carteira já estava no seu bolso
e quando saiu pro corredor
o elevador já tinha ido
mas o perfume dela não
a segunda vez que quase se encontraram
(porque ela estava voltando de um happy hour com as amigas
[e ele teve um happy hour vendo star wars na tv])
era umas dez horas da noite
e ela entrou no elevador
e apertou o número oito
porque morava no número oito
e ele ouviu a campainha
e abriu a porta
era a vizinha
perguntando se ele havia um pouco de açúcar pra emprestar
ele disse sim
assim que o elevador chegou
e ele foi pegar o açúcar
enquanto ela passou
e deu oi pra sua vizinha
e a vizinha retribuiu
e ele voltou da cozinha
com a açúcar
e ela já tinha
se fechado
mas o perfume
ainda tava no ar
a terceira vez que quase se encontraram
(porque o elevador estava quebrado
e ela desceu pela escada
[e ele tava chegando
e pensou
vou subir pela escada])
ele subiu a escada
e ela subiu a escada
e ela chegou no andar sete
e ele chegou no andar um
e ela chegou no andar seis
e ele chegou no andar dois
e ela chegou no andar cinco
e ele chegou no andar três
e a luz do prédio acabou
e ela chegou no andar quatro
e ele chegou no andar quatro
e se esbarraram
pediram desculpas
e continuaram subindo ou descendo
cada um a seu rumo
pelo breu que não terminava
e a luz voltou a funcionar
e ele tava no andar cinco
e ela tava no andar três
nesse dia ela tava sem perfume
a quarta vez que quase se encontraram
(porque era sábado e ela decidiu
acordar um pouco mais tarde
e acordou umas onze
e disse
vou comprar pão
[e pra ele também era sábado
e ele sempre acordava tarde
e acordou umas onze
e disse
vou comprar pão])
ela saiu primeiro e entrou no elevador
ele saiu depois e esperou o elevador
ele saiu pela portaria dando bom dia pro porteiro
e ele entrava no elevador
esperando descer o prédio inteiro
e ela virou a esquina
chegou na padaria
e ele na portaria dando bom dia pro porteiro
e ela pensou
o que eu levo?
acho que vou levar pães de queijo
ele virando a esquina
e chegando na padaria
mas parou pra ver a vitrine
de uma loja de games ao lado
e ela comprou suas coisas
e caminhou feliz na calçada
e ela passou por ele
e ele sentiu o perfume dela
e ele lembrou-se do cheiro
e olhou
mas ela já tinha
virado a esquina
a quinta vez que quase se encontraram
(porque ela tava saindo
apressada pra um casamento
[e ele tava chegando
pra hibernar no apartamento]
ele chegou na portaria e o porteiro informou
que tinha umas cartas vindas do banco
e ela descia o oitavo
sétimo e sexto andar
e ele se despediu
ia subiu pro andar que morava
e chamou o elevador
enquanto abria o envelope
e ela no celular
dizendo calma
to saindo de casa
e o elevador se abriu
e ele entrou no elevador
e ela saiu do elevador
ela tentando explicar um atraso
ele tentando entender tantos prazos
quando a porta do elevador fechou,
fechou-o junto com o perfume
e ele olhou pro lado direito
mas só tinha ele ali dentro
a sexta vez que quase se encontraram
(porque era uma da manhã
e o carro dela parado na frente do prédio
apagado
chamou a atenção dele
[que voltava tarde de táxi
de uma festinha de seis anos
em que ficou bêbado e foi expulso
e terminou bebendo no apê
de seu colega da faculdade
de onde também foi expulso
por estar berrando tão tarde]
o táxi parou atrás
do carro em que ela estava
ele pagou o valor do táxi
deu tchau pro taxista
e saiu do táxi
e olhou
pro carro da frente (o dela)
teve um feeling ao olhar
um suspeito carro parado
na frente do prédio de madrugada
mas deu de ombros
nem ligou
entrou no prédio cansado
e ela nem o viu
sair do táxi olhando suspeito
porque tava muito ocupada
com aquele tal sujeito
o tal de antônio não-sei-de-que
que conhecera no casamento
e dentro do carro fechado
o perfume tava bem forte
a sétima vez que quase se encontraram
(porque ela tava saindo de viagem pra alagoas
e antônio ajudava a passar com as malas na portaria
ele voltava do seu cooper
que praticava de vez em nunca
virou a esquina e chegou ao prédio
puta merda que mala pesada
ela pensou
ela pesou
colocou a mala no chão
seus dedos estavam suados
o anel a apertava seus dedos
ela decidiu tirá-lo
o anel escapou das mãos
e deslizou pelo chão
e correu pela portaria
e desceu as escadas descontrolado
e parou ao bater no pé dele
que de volta da caminhada
pegou o anel curioso
e entrou na portaria
e entregou pra ela e sentiu
seu olhar nela vidrado
e ela paralisada
pegou de volta o anel de noivado
e ele distraído sentiu
o perfume dela de novo
e ela corou sem-graça
e acenou pra antonio seu-noivo
a segunda vez que se encontrariam
(muito muito tempo depois
porque ela e antônio decidiram
se mudar pra zona oeste
[e ele iria no banco
reclamar do seu cartão
que era pra ele uma porcaria])
ela o olharia por trás dos óculos
com um olhar só profissional
e ele a olharia atrás de seus óculos
com um olhar só impessoal
ela o atenderia
e ele agradeceria
e iria embora sem nem mesmo reconhecê-la
o perfume dela não era o mesmo
havia mudado fazia um mês
e talvez só se desse conta quando já tivesse na calçada
mas o perfume dele era o mesmo
mas justamente naquele dia
ela estava gripada.