O Funâmbulo

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Dedicado ao insigne poeta e dramaturgo Elias Issa.

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Certo funâmbulo de progênie oriental,

Exímio equilibrista e mago circense,

Ousou no volteio lépido e descomunal,

Ao som de uma valsa vienense,

Mostrar à plateia um número excepcional.

Todo o proscênio diáfano refletia nas rútilas lantejoulas,

Das pulcras vestes do famoso volantim,

Que trazia no seu ego as qualidades incontestes,

de tudo um pouco, de sóbrio a louco.

Ávido por empolgar os frenéticos assistentes,

Enlevados de filosófico voltairianismo,

Deglutiu, sem restringir ao paroxismo,

Amálgamas de psicotrópicos componentes.

O número, por certo, que buscava apresentar,

Aos olhos do povo sobre a maciez da alfombra,

seria a transmutação espetacular no homem invisível,

O homem sem sombra.

No entanto, a ingestão lhe fora anafilática,

E o êxito artístico malfadado.

Sentindo-se no estonteamento inopinado,

O fracasso de toda a sua pragmática.

Ainda tentou suster-se no arame,

bradando ignivomo a brandir o archote

Resto incandescente do seu malabarismo infame,

Caiu no mais serrado letargo,

Em cataléptica hibernação.

Descendo as profundezas de um plano ignoto,

Limbo de arrependimento e expiação,

Talvez até o Sial ou ao Nife

onde nessa barisfera longínqua e funda,

Jamais pudesse ouvir falar de morte, réquiem ou esquife.

Suponha-se não tivesse eclodido a luz da esfera,

Ou tentasse retroagir ao útero materno,

Indestrutível, inexpugnável e sempiterno,

Em contagem regressiva aos tempos de monera.

Durante esse hipotético período subentendido, ingente,

Todos viram do funâmbulo a tez nefasta,

Porém ele próprio não se via,

Iconoclasta, autodestruidor de sua imagem ardente.

Abriu, por fim, os macerados olhos,

De uma outra vida jovial pregressa,

Onde toda a sua tibieza transformou-se em pressa,

Como se tivesse através da alquimia,

Conseguido a pedra filosofal da eterna juventude,

E a conversão de todos os metais em ouro,

A fim de dar aparato à sua bizarria.

Seu débil corpo não é mais exânime.

Conseguiu transformar em lauréis auríferos

Todo o seu ser súcubo e pusilânime,

E com essa nova e férrica compleição,

Viandou à esmo até dar com as margens do Rubicão.

Compreendendo, então, que nesse transe onírico,

Se encontrava no limite da Itália

Com a lendária e vetusta Gália.

Que surpresa deparar com Júlio César,

E todo o seu exército exuberante,

Transpondo o rio, todo arrogante!

Ainda pôde vê-lo com sua tradicional veste,

Brandindo altaneiro sua espada erguida,

A expressar a frase a ele atribuída,

- "Alea Jacta Est!"

O acrobata, todo viril e admirado,

Juntou-se ao pro-cônsul romano,

Partindo para a Grécia e na Tessália,

segundo os épicos de Lucano,

Vencendo Pompeu na Farsália.

Após súbito dispersar de seu sonho,

O funâmbulo no êxtase bisonho,

Agora se encontra em Cirey,

No castelo da marquesa Chatelet,

lendo as cartas filosóficas de Arouet.

Voltaire, Voltaire, onde estás eu não sei.

clamava o curioso viajor,

Chegando, enfim, a Ferney,

Domínio vitalício do escritor.

Confabulando longamente sobre filosofia,

Ouviu do próprio François Marie

a máxima que sabiamente dizia

Abalando os visos:

- "A filosofia nunca ajuda a fazer bons negócios,

Mas ajuda a suportar os prejuízos."

Sei que leste atentamente meus escritos,

Sublinhando trechos, assimilando frases,

Também sei que eles são capazes

de dissuadi-lo do pretensioso intento

que, à luz da ribalta, a funeral orquestra

pressagiava teu famigerado evento.

Acorda, funâmbulo, ergue-te deste leito de procusto

Tu és um insigne poeta e dramaturgo augusto

Autor "sui generis" de "Um Lugar Em Seu Coração",

Peça teatral de rica repercussão,

Não nasceste para a covardia.

Não chegou ainda teu fatídico dia!

Ouvindo de Voltaire esse panegírico,

Em tom melodioso e lírico,

Livrou-se por fim do sarcasmo horrível,

Que o abatia e o impelia à morte.

Deixando-o, por vezes, incognossível

entregue sorumbático, à mercê da sorte.

Hoje, ele quando por aí vai todo eclético,

Sem áloes e cardamomo machadianos,

não se pode dizer que ensandeceu

E não se sabe como,

venceu todos os seus desenganos.

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https://www.youtube.com/watch?v=B8An1iL4aOo

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O poema narra a história de um funâmbulo (um equilibrista) de origem oriental, que é um mestre no circo e realiza uma performance deslumbrante ao som de uma valsa vienense. Durante sua apresentação, ele busca criar a ilusão de se transformar em um homem invisível, mas enfrenta um fracasso devido ao uso excessivo de substâncias psicotrópicas.

O funâmbulo entra em um estado de letargia e hibernação, mergulhando em um plano desconhecido de arrependimento e expiação. Nesse estado de sonho, ele vive uma série de visões fantásticas e filosóficas. Ele se encontra em vários momentos históricos, como ao lado de Júlio César cruzando o Rubicão e participando de batalhas na Grécia.

Eventualmente, ele chega ao castelo da marquesa Chatel, onde tem uma longa conversa com Voltaire sobre filosofia. Voltaire o inspira a despertar e reconhecer seu próprio valor como poeta e dramaturgo. Ele se liberta de seus medos e inseguranças, superando suas dificuldades e encontrando uma nova força e determinação.

O poema explora temas de ilusão, fracasso, arrependimento, expiação e autodescoberta, utilizando uma linguagem rica e imagens vívidas para contar a jornada transformadora do funâmbulo.

Rômulo Quirino Chaves Silva e "Cowboy"
Enviado por Paulo Siuves em 08/07/2024
Reeditado em 13/07/2024
Código do texto: T8102924
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