Déjà vu

A sensação inicial é de leveza, um desprender-se de si, como se o peso do corpo e das memórias se afastasse. A transição é suave, como um despertar gradual, onde cada fibra do ser se reorganiza em algo novo, antigo e sempre presente.

Ao abrir os olhos — ou o que restou deles —, há luz. Não uma luz física, mas uma luminescência interna que invade como uma saudade desconhecida. A alma flutua e, ao mesmo tempo, está ancorada; desloca-se e sente cada grão do infinito. O espaço se dissolve e o tempo se torna uma melodia sem ritmo.

Então surge a percepção:

A certeza de que já esteve ali antes. Não como em um sonho ou um fragmento esquecido, mas como o eco de um lar. A paisagem é etérea — montanhas que sussurram, rios que cantam. Cada detalhe pulsa vida transcendendo a forma. Nada é estranho, embora tudo pareça inefavelmente novo.

“Eu sei isso...” murmura a alma, mas não há som.

É quando percebe a presença.

Uma força invisível que preenche sem ocupar espaço, sem rosto ou nome, mas que é tudo o que sempre buscou. Uma voz, ou um pensamento compartilhado, ressoa:

“Você lembra?”

E, sem saber como, lembra.

De mundos não visitados, estrelas não vistas, amores que transcendem a carne. Lembra de ser. Não é moldado por anos ou experiências, mas é o que existe além das máscaras. O ser puro, intocado pelo tempo. Ó ser eterno.

As memórias vêm em ondas:

O toque quente do Sol em uma vida antiga. O vazio do universo em seu início. A dança das partículas, a explosão de vida. Cada cena compõe um mosaico que a alma sempre foi, mas nunca compreendeu.

“Por que esqueci?” questiona, pensa ou sente.

A resposta é uma brisa envolvente, um abraço sem braços:

“Porque lembrar seria limitado. Viver é esquecer para redescobrir. E agora, você volta ao todo.”

A alma hesita, sentindo um apego tênue e real. Um rosto? Uma promessa não cumprida? Não se sabe, mas sente o peso de algo que chama.

“Posso voltar?”

Silêncio.

Não de negação, mas de compreensão. O desejo de voltar é respeitado. No plano da alma, não existem julgamentos, apenas escolhas. Mas o convite, a melodia do eterno, ainda vibra.

Então, a decisão:

Ficar. Explorar. Ser.

A última percepção é a mais dolorosamente bela.

A alma compreende que não está separada de nada. Nunca esteve. É a luz, o rio, as montanhas. É o lar e o viajante. E, nesse instante, deixa de ser “eu” para se tornar “nós”.

E o que resta?

Apenas um déjà-vu, gravado no âmago de todas as coisas.

Milson Elias
Enviado por Milson Elias em 27/02/2025
Código do texto: T8273719
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