Eu daria tudo para voltar
"eu daria tudo o que tivesse pra voltar ao tempo de criança"
Não é à infância que quero voltar, é à sensação de ser imortal.
Criança, eu não sabia de mortes, embora as praticasse todos os dias — morriam em mim as pequenas verdades que me ensinavam, morriam os medos ao fim de cada noite, morria até a certeza de que o mundo era vasto, porque ele cabia todo na palma da minha mão.
Daria tudo para voltar a esse lugar, não porque nele não houvesse dor. Havia. Mas era uma dor que não pesava, que desmanchava como brisa.
Ser criança era ter o mundo sem possuí-lo, era entender a vida pela metade e, mesmo assim, achar-me completo.
O tempo não cobrava seu preço, as horas eram apenas marés que iam e vinham, e nunca vazavam.
Hoje, o que me falta não é a infância — é a fé que ela trazia. A crença ingênua de que o amanhã não carrega dívidas e que o hoje é suficiente em sua pequena grandeza.
Daria tudo que tivesse para ter de volta essa ilusão, essa cegueira que me fazia ver o mundo com olhos desarmados, sem muros, sem medo de sentir.
Mas não se volta para o que já foi.
O tempo é como um rio que só corre para frente, e nós, remando contra sua correnteza, nos afogamos em saudades.
Talvez o que busco não seja a criança que fui, mas o que perdi ao deixar de ser.
Se é possível voltar, não é ao passado, mas ao lugar onde guardei as coisas que o tempo levou.
E talvez ali, entre as sobras de mim mesmo, possa encontrar um jeito de ser criança outra vez.