Devaneio Inútil
Vivo, mas não sou mais que a sombra espessa,
De um ser que o tempo aos poucos vai roendo,
No âmago profundo, escura pressa,
Onde a carne morre sem saber morrendo.
A vida, imensa e vã contradição,
É fogo que arde sem jamais queimar,
E ao peito, em vão, rasgo o coração,
Pois o vazio eterno vem me esmagar.
Sinto em meu sangue a podridão latente,
O verme espreita a morte que há em mim,
No fundo deste corpo decadente,
Sou pouco mais que o eco de um motim.
E enquanto a vida esvai-se como um grito,
De sonhos rotos pela dor cruel,
Na carne flácida, em silêncio aflito,
O homem morre olhando para o céu.
O tempo — esse algoz imperturbável —
Vai consumindo em fúria, em devaneio,
E eu, num riso frio e lamentável,
Desato as cordas que me prendem ao seio.
No vazio, tudo é fim e é começo,
Morre-se aos poucos sem qualquer valor,
Pois no devaneio, a vida é só o preço,
Do tormento que chamamos de amor.