naquela noite

eu ainda estou preso naquela noite. não sei como sair dela. porque parece que a minha vida parou nos acontecimentos daquela noite. eu não sabia se a visão embaçada era pela chuva no para-brisas ou pelas lágrimas nos meus olhos. eu tive que parar o carro no acostamento para não causar algum acidente. mesmo que a morte parecesse atrativa naquele momento. mas tu sabe como detesto dirigir a noite. eu me lembro nitidamente de todos os pormenores daquela noite. ainda lembro da música que tocava na rádio (falling, do harry styles) enquanto tu saía do carro e da minha vida definitivamente.. . enquanto eu estava parado, eu me deixei sentir tudo o que estava prendendo no meu peito: lágrimas, dúvidas, mágoas, raiva, saudade, certeza de que estava te vendo pela última vez. naquela noite eu me deixei sucumbir por pensamentos que ainda me assombram: o que eu poderia ter feito de diferente com a nossa história? o que eu poderia ter dito que fizesse tu ficar? o que eu poderia ter feito para te fazer me escolher? e se eu não existisse, tu teria me esperado? e se a gente nunca tivesse cruzado o caminho um do outro, que tipo de vida tu acha que teríamos? e se nos olhos não tivesse se perseguido no meio de tanta gente que tem no mundo, tu acha que o destino teria feito algo para nos aproximar? e se tudo isso não passar de um pesadelo e que eu vou acordar contigo ao meu lado na cama? dói pensar em todas essas coisas, mas tu sabe que eu sempre penso demais.. . mas não pensar, contigo indo embora, me machuca muito mais. não vou mentir, em não dizer que não tinha imaginado como seria esse dia, porque tu me conhece e sabe que eu sempre espero o desastre. contudo, eu tive certeza que sou péssimo em imaginar as coisas, pois a realidade foi ainda pior. eu não estava nem um pouco preparado. e meu cérebro fez questão de registrar tudo, como plano sequência, para me atormentar nos dias que seguiriam. parecia cena de filme. a música, a chuva, as lágrimas, as palavras duras e intensas, os personagens perdidos e cansados. porém, nos filmes a gente sabe que após essa cena dramática, o casal fica junto no final. na vida real não é assim. é bem mais complicado. quase sempre o final feliz não é bem como se espera: uma despedida relativamente tranquila, sem brigas feias e sem ódio. todavia, ainda assim é uma despedida. e machuca. naquela noite, eu dei partida no carro quando o que eu mais queria era ficar. eu sabia que seria a última vez que faria aquele trajeto. eu memorizei a distância exata que nos separaria. mas eu sabia que a distância emocional, essa eu não conseguiria calcular, porque ela começou bem antes daquela noite. sabe, às vezes sinto que ainda estou preso naquela noite. uma noite sem fim. tão escura quanto a minha tristeza. tão infinita quanto a minha desilusão. eu parei de contar os dias pois estava enlouquecendo. hoje, tudo o que queria era que o tempo tivesse parado naquele sábado, antes do nosso fim. mas não é possível parar o tempo. nada permanece. tudo passa. me apego a isso. a tristeza e a saudade talvez demorem um pouco mais, mas vão passar. enquanto isso, eu escrevo para te esquecer e talvez fazer o tempo passar um pouquinho mais depressa.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 11/06/2024
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