O Alguém
Às vezes nos sentimos tão vazios e solitários, só que por dentro. É difícil explicar. Mas a sensação é como se nossa presença em nós não bastasse e desejássemos por mais. Mas não é qualquer mais. Claro que não. Porque se formos preenchidos por qualquer coisa, também experimentaremos um sentimento confuso: ficaremos fartos e entediados por coisas sem sentido. Sentimos falta de algo específico. Ou alguém. Alguém que tanto bem nos fez sem saber. Alguém que ao mesmo tempo nos fez algum mal sem que fosse sua intenção. Ou talvez fosse, só que não importa. Porque a escolha foi feita. Lá atrás. Quando talvez não tivéssemos tanta maturidade. Quando ainda não sabíamos quem éramos ou o que queríamos. Quando ainda não sabíamos lidar com aquele medo angustiante de ser diferente das outras pessoas, de pensar diferente, de sentir diferente. A real é que todos nos sentimos assim em algum momento. Porque todos, de alguma forma, sentimos que somos diferentes do restante das pessoas. E em alguma medida somos mesmo. Afinal, somos únicos.
E esse vazio nos oprime. É um vazio de saudade, eu acho. Um vazio de ausência. Como quando éramos crianças e acordávamos no meio da noite amedrontados pelo escuro. Não sentíamos a presença de nossos pais. Então achávamos que estávamos desamparados. Alguns de nós choravam copiosamente, até que alguém viesse vê-los. Outros se encolhiam na cama e puxavam o edredom para que cobrisse cada centímetro de seu corpo. Acho que a sensação é essa. Esse desamparo. Essa angústia de não ter ao lado alguém em quem tanto confiávamos e nos apoiávamos, alguém que talvez nem soubesse que nos garantia segurança e proteção. Alguém que talvez nunca tenha tido a oportunidade de saber porque nós não permitimos.
Não permitimos que nossos sentimentos fossem expressos. Não permitimos que o outro soubesse o quanto era importante. E não permitimos que ele tentasse compreender o nosso jeito por vezes confuso de ser. Eu sei... às vezes é difícil explicarmo-nos a nós mesmos, como nos explicaríamos a alguém? Mas talvez devêssemos fazer algum esforço. O outro merecia, não merecia? Não era melhor ser transparente e sincero do que, cheio de tantas barreiras e escudos, permitirmos que um ensurdecedor silêncio se colocasse entre nós? Silêncio que nos condena à nossa própria solidão. Silêncio que nos proporciona essa sensação de vazio que não passa. Um vazio que grita em nosso peito. “E se tudo fosse diferente?”. Mas como saber como as coisas seriam? A decisão fora tomada. Daquelas que mudam todo um futuro. Futuro sobre o qual perdemos o controle.
De que adianta todo esse arrependimento? De que adianta esse lamento? De que adianta reconhecer que uma escolha de anos atrás hoje nos causa dor? Não era para causar. Estávamos convictos de que não sofreríamos dor alguma. Ledo engano. Somos enganados por nosso orgulho e nossa arrogância. Porque o tempo passa. O implacável tempo sempre passa. E com ele leva a nossa suposta força. Aquela altivez. Aquele ego inflado que desincha feito bexiga grudada há semanas na parede. E então compreendemos o quanto erramos. Erramos com aquele alguém importante. Aquele alguém que preenchia nossa vida. Aquele alguém que, ainda que não estivesse o tempo todo ao nosso lado, ao menos estava em nossa vida – tínhamos companhia. Alguém de quem sentimos saudade. Alguém de quem gostaríamos de receber alguma notícia. Aquele alguém com quem ficávamos horas conversando de trivialidades sem a preocupação de adentrarmos em assuntos complexos. Aquele alguém que tornava as coisas mais leves, mais prazerosas, mais palatáveis. Aquele alguém que por ser tão importante e nos fazer tão bem, tínhamos medo de perder. Um alguém de quem nos escondíamos com receio do poder que ele tinha sobre nós. Um alguém que talvez sentisse as mesmas coisas que nós, mas que nunca dizia pelos mesmos motivos. O alguém que, por tentarmos manter a uma distância segura de nossas vulnerabilidades, acabamos perdendo por tantos obstáculos que criamos. O alguém que se foi porque talvez tenhamos dito para que fosse. O alguém que nos deu às costas quando mais queríamos que ficasse. O alguém que ficou em silêncio quando mais queríamos que falasse. O alguém que se afastou quando mais queríamos que nos abraçasse. O alguém que olhou em nossos olhos confuso, porque nós também estávamos confusos. O alguém que não nos compreendeu porque nós não lhe permitimos. O alguém que se foi quando tudo o que queríamos era implorar para que ficasse... eternamente...
O alguém que talvez nunca mais tenhamos de volta.
O alguém que nos ensinou a importância de sermos francos e fortes. De sermos transparentes e sensíveis. O alguém que nos fez entender que a ausência de um alguém importante pode significar aquele vazio que nunca vai embora. E esse vazio não existe porque o outro tem a obrigação de nos preencher. Claro que não. O vazio é porque não temos mais os sentimentos que por aquele alguém cultivávamos. Ou talvez os tenhamos, só que eles estão sufocados. E, portanto, impossíveis de serem sentidos. Resta-nos aprender com os alguéns que se foram quando o que mais queríamos era que continuassem conosco. Não soubemos pedir. Ou não soubemos lidar com o amor que nos preenchia. De qualquer forma, é cruel passar ao lado desse alguém na rua sabendo que um dia foi a pessoa mais incrível que existia na sua vida, mas que agora mais parece um desconhecido sem sentido que se senta ao seu lado no ônibus para nunca mais ser reencontrado.
(Texto de @Amilton.Jnior)