UM SOCO CHAMADO CLARICE

Li Clarice Lispector em 2019, com a ânsia voraz que me invadira depois de anos ouvindo falar dessa escritora. Estava ansioso devido a uma edição especial do livro "A Hora da Estrela", belíssima novela, por sinal. Mergulhei naquele universo, mas em momento nenhum o porvir chegaria tão forte em meu âmago a ponto de me fazer sentir tamanhas sensações inenarráveis como ocorrera no dia 08 de Outubro de 2020. Essa data me pôs de frente ao monstro literário da língua portuguesa. Foram meses lendo o livro "Todas as Crônicas", com a certeza de que não sairia mais o mesmo depois daquele inevitável contato. Bem, digo inevitável pelo fato de que Clarice sempre me fascinara. Seu nome além de exalar poesia, deixava-me extasiado pela força ao pronunciar. Poesia ímpar, uma flechada no peito.

Sua escrita é mais do que somente resumos rápidos de redes sociais que comumente inspiram os jovens a enfeitarem perfis. É algo peculiar. Provoca arrepios, embrulho no estômago e em alguns casos provoca a incrível sensação de preenchimento proporcionado pelo vazio das entrelinhas mordazes ou os três. Um mergulho secreto em nossas compatibilidades diferenciadas. Seria um acaso se esse soco chamado Clarice não pudesse florescer em terras brasileiras. É brasileira e ponto, digo, reticências... Pois, creio tanto na sua potencialidade humana a ponto de saber que ela jamais pertenceria a algum lugar, afinal de contas, era ela alguém onde a liberdade servia de pouco para o que almejava. O inominável destino sopraria nas orelhas de seus pais qual a sua terra natal deveria ser escolhida.

"A vida é um soco no estômago". Estendo esse trecho a florear a escrita de Clarice. És o soco que movimenta nossos sentidos humanos, nosso toque humano com o inatingível, o inimaginável, aquilo que ainda ninguém ousasse pensar ou inventar, afinal de contas, simplesmente o é e nada poderá evitar que assim o seja. São tantas profundezas a mergulhar a ponto de sermos mais quistos pelas nossas próprias divagações, os devaneios secretos de nossa alma vagueando pelo mundo, onde só poderíamos nos encontrar no silêncio febril das fragmentações metafísicas, eu diria. Algo que nos toma por inteiro e nos remonta em caquinhos enquanto lemos cada texto, nos angustiamos por cada palavra dita e pelo mistério deixado no ar após o término de cada crônica.

Só assim seguirei, quando, por fim, puder terminar essa escrita entre quatro paredes a alguém cuja a pessoalidade me tocara sem nem ao menos me conhecer. Uma intangível sensação de destreza a qual eu pudesse remeter a quem eu poderia entender sem nem ir atrás de compreensões expansivas. É desse modo que enxergo as crônicas de Lispector, e estou ansioso à espera de outros livros seus para mergulhar de cabeça. Conhecer-me através dos sentidos, ainda que seja perigoso. Sigamos...

Hivton Almeida
Enviado por Hivton Almeida em 04/12/2022
Reeditado em 04/12/2022
Código do texto: T7664051
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