Depois de sair da caverna
Eu estava numa caverna, mas vou explicar.
A vidinha feita em ciclos, escola, casa, igreja, problemas domésticos, perguntas, expectativas e fugazes esperanças, colocou-me numa bolha onde eu vivia apenas o meu mundo... mas espere um momento... não entenda que a caverna era sem luz e risos, não pense que ela era uma prisão, nada disso, ela só não tinha a realidade, o sabor e acidez da qual tenho que conviver hoje quando saio de casa todos os dias, tendo que esbarrar em desafios, incomodos, pressões, cobranças e autocobranças.
Sinto minhas pernas tremerem como quando somos bebês tentanto aprender a andar... acho que isso resume bem como me sinto, como um bebê aprendendo tudo de novo, e tendo que lidar com aqueles caquinhos ainda não colados dentro de mim, remanescentes de um tempo difícil.
Bom, é isso, lá estava eu aos 36 anos de idade, após 14 anos de caverna, colocando minhas mãos nos olhos para que a luz do dia a dia não doesse em minhas retinas. Olhei para as pessoas e as vi tão diferentes em tantos aspectos que mal podia enumerar. Foi uma sensação automática de "abdução alienígena". Alguém havia me tirado da terra e devolvido 14 anos depois, só que não foi como nos filmes onde a pessoa some, o tempo passa e ela volta com a idade que partiu, não, meus caros, eu fui devolvida com todos os anos contados sem dó nem piedade. Desde esse momento, sinto-me chegando atrasada em qualquer lugar, como se o mundo não me perdoasse por ter partido e não acompanhado suas mudanças. A caverna me fez pagar um preço alto.
A caverna representou uma interrupção por algo maior, importante, que eu não conseguirir mensurar o seu valor em números ou palavras. Eu estava me preparando, limpando e dando atenção a alguém muito especial. Eu dividi esses anos em 50% para mim e 50% para quem eu devia. Talvez a caverna fosse uma necessidade, um rito de passagem de forma regeneradora, um momento de espera por mim, por eles e pelo momento certo.
Dizem que não existe momento certo, mas existe sim, pois se uma oportunidade é te dada sem estar preparado para ela, você a verá indo embora como um pássaro, com lágrimas amargas nos olhos. Eu sei bem o que digo. Esse momento era preciso, necessário, convinha-me, entende? Muitos podem me ver como alguém atrasada, isso porque seguem as expectativas e padrões de tempo do mundo, não o que convém ao momento de cada um. Somos únicos, e crescemos e aprendemos em ritimo diferente dos outros.
Uma vez ouvi um diálogo entre dois homens em uma série. Um deles estava angustiado por não deter a mesma quantidade de conhecimento que as pessoas do seu grupo possuíam, e então sentia-se atrasado (bem como eu nesse aspecto). Então, depois da confissão recebeu a seguinte resposta do amigo: "você não está atrasado. O mundo apenas se reajustou nesse momento para você". O que me fez entender que não precisamos estar no mesmo nível, de qualquer coisa que seja, de ninguém. Todos tivemos e temos uma história diferente, e culpar-se por não estar numa vida como a dos outros ou fazendo o que outros da sua idade estão fazendo é perda de tempo, aflição e um bom incentivo a desistência.
Mas, caros amigos, vocês irão de concordar que saber e entender é diferente de conseguir pôr uma crença na cabeça a fim dela mudar a forma como nos sentimos em relação aos nossos problemas, se assim fosse, não exisitiriam terapeutas, não é mesmo?
A gente acostuma a pensar e a se sentir de um jeito toda vez que passa pela situação "a e b", e isso vira um hábito, e o simples fato de sabermos como deveríamos nos sertir ou nos comportar acaba sendo insuficiente para algo arraigado com tanta força dentro de nós. É por isso que é difícil nos livrarmos de certos hábitos que resgatam ou produzem sensações e sentimentos saudosos. Um psicólgo disse uma vez que prazer é relembrar de um momento anterior e da sensação de como este nos fez sentir, seja bom ou mal ( é daí que nascem os mazoquistas, de forma estranha, se aconstumaram a sentir prazer na dor).
E como mudar isso? A única solução seria não tentar remover o comportamento ou sentimento de vez, mas ir atribuindo rotinas, programações que nos façam ir mudando aos poucos até chegar no momento em que aquilo que nos fazia sentir prazer já não faça mais, isso porque o que produzia aquele determinado sentimento foi sendo removido. Sem causa não há consequência. Haverá resistência, de fato, mas a decisão tem que ser mais forte que permanecer em sofrimento. Então, caros amigos, o meu passado, o tempo de caverna, pode ter engessado algumas partes de mim naturalmente como um músculo atrofiado, mas jamais pode me tirar o poder de recomeçar, de aprender e de viver sem ser pressionada pelas expectativas do mundo, daqueles que se veêm como perfeitos em seus tempos, sem tolerar atrasos ou reajustes de tempo para não se deixar de lado o que era necessário.
O mundo está cheio de pessoas que chegaram cedo, e imaturamente estão andando em suas estradas perfeitas, colidindo em todos, rejeitando os desiguais, ameaçando os retardatários, rindo dos que tiveram seus relógios remexidos pelas situações e escolhas da vida.
Eu digo que mais antes chegar tarde no mundo que chegar cedo, afobado, infeliz e amargo por não se ter dado o tempo de fortalecer o seu alicerce.