O mundo anda doente
Caminhando nas calçadas do centro da cidade, tudo parecia estar vivendo bem nesse novo normal. Mesmo disfarçados, eu vi um mundo doente. Completamente doente. E eu, que há muito também já havia adoecido, o acolhi, sem nem julgar (porque sequer podia).
Eu me lembrei do tempo em que todo mundo ainda achava que tudo era normal. E lembrei do quanto eu, naquele mundo tão normal para eles, não cabia. Nunca coube. Não pertencia e pra ser sincero, ainda não pertenço. A diferença é que hoje, para além de mim, também vejo vocês. Perdidos como eu. Doentes como eu.
Não sinto orgulho em ter adoecido primeiro. As vezes, me vem até certo sentimento de culpa. Será que fui quem adoeceu o mundo? O mundo inteiro? Veja, meu amigo, que aqui não há pedantismo. Tampouco autopiedade. É que, acho que por excesso de otimismo, eu sempre fui um suicida fracassado. Lembro-me que mesmo diante de toda a dor que sentia; mesmo quando não encontrava mais saídas; mesmo quando eu, de frente à parede sem portas, me vi sentado e calmo, esperando pra que uma porta - qualquer que fosse - se abrisse; mesmo ali, eu não sucumbi. Eu não me entreguei. Eu resisti. E acho que a insistência, a minha teimosia… Acho que elas alimentaram toda a chaga do mundo.
Resiliente? Não, romântico tolo, esse título bondoso certamente não me cabe. Tem-se por resiliente aquele que detém a capacidade de adaptação pra se manter no controle, moldando-se de tal maneira que o novo não prejudica sua existência. O novo não assusta. Embora sobrevivente, eu não existo há muito tempo e o novo, meu bem, o novo me causa desespero.
Do mundo doente, porém, eu vejo até com certa graça. Não como quem ri da desgraça humana - e que vergonha nenhuma eu teria se assim fosse, só não é -, mas como quem sabe que, no final, com alguns maços e algumas garrafas, os maltratados (como eu) também sobreviverão. E se encontrarão nos porões escuros de um dos bares imundos do subúrbio da Capital. Porque eles criarão cascos. Porque casco eu criei. Porque eles terão casco. Porque casco tenho eu.
O que era ruim, eu sei, parece que agora trouxe-me um certo quê de conforto. E eu já me senti assim antes. Doente, diferente, incompreendido, isolado do mundo e dos pensamentos do mundo. Não cabia, não existia, não encaixava e não me encaixo, mas depois de alguns anos, parece até que eu me acostumei. E aqui se entende que comodismo misturado com a falta de gana para viver pode até ser confundido com resiliência, querido leitor, ainda que se tratem de sentimentos (e atuações) diametralmente opostas.
Toda mudança traz desconforto, eu sei. É o mais natural, meu bem. Mas o novo normal? Esse novo normal - de isolamento e desencontro, de solidão e frieza, de exclusão social - desconfortou somente a vocês e eu, na minha condição de alheio a tudo e todos, pude vê-los, mas sentir? A mim, tudo já era tão desconfortável que eu sequer senti (mais) tristeza.
Troquei passos com a solidão durante anos. E depois da partida efetiva de Bee, eu beijei mais mil bocas e sujei outros mil novos lençóis. Quando dei por mim, no quarto escuro, ainda estava sozinho. E eu tive que aprender que viver é uma estar-se em si sem fim.