Entre três tempos diferentes

     Subo degraus sem conclusão, alcanço andares impensáveis, nunca sei encontrar o atalho de volta para casa, desperto e ao longo do dia eu me vejo contando mentalmente esse dia a mais sem você. Já passaram de 365, anotar um por um tão somente acentua a imensidão desse vazio que me cobre como um cobertor, mas não me aquece nem me acalenta, nenhum aroma familiar me devolve o riso porque apesar dos esforços todos, a tristeza sempre vence o cabo-de-guerra.

     Inspiro fundo, uma leve pontada no peito, expiro, expiro fundo, no intento de exorcizar tudo que tenho calado, que no alto da garganta está atravessado, engulo o choro atrasado porque lágrimas por demais derramei sem jamais entender por que você foi embora.

     Se a saudade pudesse ser medida em tamanho, eu perderia as contas de quantos degraus seriam necessários até chegar ao topo. Mas iria... porque ao menos teria um norte... porque pior do que um coração partido é nem sequer ter um amor para sonhar, nem que seja para isso mesmo, construir castelos, porque nada dói mais do que caminhar invisível num mundo hostil. Se você aprendeu a disfarçar a dor para ninguém utilizar seus argumentos contra você, haverá de concordar com minhas modestas explanações.

     Vivo na esperança de me concentrar no tal do tempo presente, onde estou, onde os cinco sentidos funcionam em harmonia e se conectam com a engrenagem existencial, todavia existe um inconveniente nisso tudo: a dicotomia entre o desejo e a necessidade.

     O hoje cobra de mim um comprometimento maior com ele. A essência vive num contraste de nuances, entre as pinceladas mais pálidas do passado e a dor gritante do presente porque a concepção de futuro revela-se na imagem de um cavalete coberto por um pano branco.

     Sinto medo da revelação. Do imensidão branca e perturbadora do vazio. Dos traços abstratos em que as cores primárias se destacam, se misturam e contam uma história - ainda que não num ritmo linear, mas não menos compreensível - ou quem sabe qual seja a inspiração do destino. A bem da verdade, ninguém sabe.

     Escrevo na intenção de desafogar o peito, destrancar as lágrimas e... ser humana. Que os olhos maledicentes debochem, reprimam, censurem, pois o que faz da minha essência uma composição única é a capacidade de traduzir na primeira pessoa do singular sentimentos que evocam o plural e a gama de interpretações que o "nós" suscita por si só. Não quero em nenhum momento me auto elogiar, posto que escrevo neste momento para suportar com resignação aquilo que não depende só da minha boa vontade e do meu otimismo porque se dependesse dele, eu já seria sua há muito tempo.

 

12/7/21

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 12/07/2021
Reeditado em 08/01/2022
Código do texto: T7298176
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