Vislumbres do entardecer

Curitiba, 05 de junho de 2021.

 

     Vislumbres do entardecer. O outono aproxima-se do derradeiro fim, as folhas caídas das árvores já foram varridas das calçadas, os troncos sobrevivem com resignação à chegada de mais um inverno. As vidraças embaçadas gravam as iniciais de amores não confessados, de dedos tímidos que exprimem afeto nas singelezas jamais notadas por olhares desatentos.

     A melancolia não está na vista dos prédios cinzentos que traduzem a síntese de uma selva de pedra, salientando a angústia de um coração que desconhece o paradeiro de quem serve de inspiração para todas essas reflexões. Ela se revela na ausência. No ininteligível que vem depois dela.

     Os pés não sentiram o chão no sentido mais profundo da expressão, olheiras ilustram as noites longas e sem consolo, a apatia é meu abrigo nestes tempos de total invisibilidade. Versos de canções de longas datas conhecidas verbalizam com mais habilidade o que a garganta fechada não consegue trazer até a superfície.

     Ainda dói. Porque não depende e nunca dependeu de mim. Superar me parece tão fora da realidade, tão ingrato. Recomeçar de novo, conhecer outras pessoas, apesar de saber que daqui a um ano eu encontre este texto e me veja vivendo uma realidade diferente, não faz sentido.

     Da glória ao pó, o percurso traçado pela Fênix não difere disso, embora os desafios sejam proporcionais à evolução. O casulo se torna pequeno demais quando o anseio de buscar as respostas na natureza é grande, muito maior do que as limitações, as fronteiras e os medos. Posso viver só e me entender com minha esquisitice e não me ressinto por passar mais um dia dos namorados sem ter um amor para chamar de meu, um amor que não precise ser codificado para manter-se em segredo e ao mesmo tempo mostrar ao mundo que existe alguém com quem eu gostaria de estar.

     Um ano se passou desde o dia que seria preferível esquecer... porque embora eu me refaça com a indulgência do tempo e da própria vida, nunca mais serei a mesma. Insisto que começar de novo ainda é uma tarefa um tanto quanto assustadora. Penso que esse alguém que ainda amo foi a melhor pessoa que eu já conheci, que nunca haverá ninguém à altura, que mereça meus sentimentos, meus versos, o espaço que ocupou (e ainda ocupa) no meu coração.

     Uma parte de mim, uma parte importante, diga-se de passagem, gostaria que aquele dia que já fez aniversário não passasse de uma mentira, um sonho ruim, para nesse despertar eu ter aquele punhado de esperança que me mantinha de pé quando o mundo tentava roubar a minha fé porque agora, caída nesse desânimo quase sepulcral, já não há mais nada que possa ser roubado de mim.

 

 

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 06/06/2021
Reeditado em 08/01/2022
Código do texto: T7272390
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