Eu caí na Marginal Pinheiros
Ele levantou cedo em pleno sábado, provavelmente tomou um café, fez algumas coisas e se preparou pra sair, trabalhar eu diria. Alguém decidiu acompanhá-lo, entrou no carro com ele e ambos saíram, ou talvez ele a tenha buscado em algum lugar, não sei.
Já era quase 9:30 da manhã, o sol começava a pesar no céu, o trânsito não estava carregado, mas também não estava totalmente livre. Talvez eles conversassem no carro durante o trajeto, talvez não, quem sabe estivessem ouvindo alguma rádio, ou quem sabe estivessem apreciando o silêncio (embora estar entre carros na Marginal Pinheiros não traz exatamente o que entendemos por silêncio).
Em algum momento entre 9:25 e 9:30 ele percebeu que poderia tomar uma decisão rápida, essas deduções que pessoas que dirigem fazem em questão de segundos enquanto olham o retrovisor. As vezes uns decidem virar para a esquerda e fazer um caminho diferente, outros decidem acelerar um pouco e entrar em uma faixa onde os carros aparentemente estão andando mais rápido. Enfim, para aquelas pessoas que dirigem diariamente, muitas e muitas horas por dia, podem ser escolhas já inconscientes, que simplesmente são tomadas. Dessa história na verdade eu não sei quase nada, mas o pouco que sei, eu vi com meus próprios olhos e senti com todo meu corpo.
Assim como as escolhas que acreditamos não afetar ninguém a não ser nós mesmos, ele decidiu acelerar o carro após observar um espaço na outra faixa para entrar e assim seguir seu caminho, ele não pensou muito, pelo menos acredito que não. Ele viu uma oportunidade e sem dar a seta, sem se quer olhar o retrovisor, avançou com o carro, mas imediatamente, após verificar a falta de espaço (algo que ele poderia ter analisado antes) acabou decidindo abortar a missão e voltar, mas era tarde demais, a faixa em que ele estava anteriormente já se movimentava e demandava um tempo até ele conseguir encaixar o carro ali novamente. Mas como eu disse, ele não olhou o retrovisor, ele não observou se vinham motos entre as duas faixas onde ele ficou parado obstruindo o caminho, ele simplesmente ficou ali, por alguns segundos talvez, mas foi o suficiente. Infelizmente, vocês já imaginam o resto da história.
Eu não sei o que o levou a fazer isso, imprudência, excesso de segurança, mal hábito e falta de cuidado, ou simplesmente uma decisão errada, mas essa simples escolha, essa simples ação que demorou nem mesmo 1 minuto, ocasionou uma grande mudança na vida de 2 pessoas, e na pior das hipóteses (não tão distante), poderia ter tirado a vida dessas 2 pessoas.
Eu sou uma delas e depois de 1 ano e 7 meses desse dia, confesso que essa parte do acidente, ainda tenho aprendido a lidar pois nada aconteceu com ele, ele não fugiu (pelo menos por aqueles primeiros minutos do resgate), ele também não pagou 1 único centavo pelos danos causados (e nem me refiro aos danos materiais). Depois disso tudo nunca mais o vi, não sei quem é, ele se quer procurou saber se as pessoas que ele deixou lá chão em estado de choque e com ferimentos graves, ficaram bem ou não. Ele simplesmente seguiu com sua vida, como se tivesse apenas feito uma escolha ruim em um dia normal. Provavelmente mandou desamassar o carro que meu corpo amassou e voltou para sua rotina. (Ah! Mas ele se manifestou 1 vez, querendo nos processar por ter amassado o carro dele com meu corpo Hahaha pois é)
E sim, esse é o meu lado da história, e o único que sei, afinal ele nunca me deu a chance de ouvir algum outro lado, e o que me assusta nisso tudo, é exatamente isso. Como alguém causa algo tão grandioso, muda a vida de outras pessoas por completo de forma trágica, e simplesmente continua, sem se importar o mínimo? Sem manifestar um pouco que seja de preocupação? E não estou me refiro a dinheiro, mas humanidade.
Bom, escrevi isso tudo pois faz 1 ano e 7 meses que eu não corro, nem se quer ando um pouco mais rápido. Talvez eu resolva isso um dia com outras cirurgias ou talvez eu fique cansada demais pra criar novas cicatrizes e desista de tentar. Eu sinto falta de correr, de fazer slackline, de tentar escalar, de inventar coisas pra fazer e não ter que me preocupar se eu vou quebrar meus ossos ou não, sem recuar por causa de uma dor insuportável que certamente terei que lidar pelo resto da vida. E a escolha que ele tomou, infelizmente escolheu me deixou assim.
Sim eu sei, poderia ter sido pior, e eu sou grata por conseguir andar, ter a minha vida e saber que eu não sou incapaz. Mas as vezes é simplesmente inevitável não pensar, que se eu tive que aprender algo com tudo isso, porque ele não?