Eu já não sei mais por quanto tempo o teu fantasma vai me assombrar
Eu já não sei mais por quanto tempo o teu fantasma vai me assombrar e isso já me sugere uma certa dose de loucura.
Lembro-me bem de que, quando eu contava a tenra idade de cinco anos, ouvia histórias sobre os fantasmas que pairavam pela superfície terrestre. E tão peculiar quanto se espera da imaturidade de um meninote, eu acreditei. Acreditei piamente. Diziam eles sobre a capacidade de os fantasmas atravessarem paredes e fazerem as portas rangerem. E de, por não possuírem forma física definida, deixarem-se transparentes. Invisíveis aos olhos humanos, como os meus. Eles podiam estar em tudo e em nada e isso era muita insegurança pra uma criança como eu, que já gostava das certezas. Não de entende-las, eu acho, mas de possuí-las. Importava-me mais tê-las que sabe-las. Eles me falavam também de como os fantasmas gostavam da ideia de brincar com a sanidade das pessoas. Por puro prazer. Eu acho que entendi.
Eu tive medo, é claro. Eu era pequeno, mas nada me trazia mais insegurança que a ideia de não ter uma certeza para chamar de minha. Eu tinha medo de encontrá-los, mas não encontrar nada também não me resolvia o problema. Eu tinha um medo grande de estar sozinho e um deles, o mais mal intencionado, me pegar pra Cristo. Medo de ouvir as portas rangendo sem encontrar ninguém ao lado de fora da porta. Medo de cruza-los e algum deles - qualquer um - fazer-me doido. Mas se no meu quarto, com as luzes acesas, eu não os via, será que era porque eles não existiam? Ou só não estavam ali? Ou será que estavam ali, mas se escondiam muito bem de mim? E quando as luzes se apagam, os fantasmas voam? No final, o desconhecido me dava muito mais medo do que a ideia de encontrá-los e enfrentá-los.
O mundo anda estranho. Completamente estranho. E eu não tenho mais medo desses fantasmas. Com todo respeito, se existem ou não, isso não me importa mais. E também não me importam as certezas. Entendi que respostas não me tornam melhor, mas as perguntas... As perguntas, sim. A busca - quando não acabada - pelas respostas é que me torna melhor. E os fantasmas do meu eu pequeno, bom, já não me interessa saber se voam quando as luzes se apagam.
Foi quando eu vi, num desses bares sem ninguém, a tua imagem. Tão pegada à face de outrem que parecia a ti. Eu sei que não era você. E aliás, ali mesmo, eu já havia encontrado aquele outro rosto inúmeras vezes. Mas naquela noite... Naquela maldita noite, todos os rostos eram teus. E quando fui ao espelho, também atrás de mim estava você. Dizia coisas banais. Coisas que já nem me lembrava mais. Você me dizia coisas sobre o brilho dos meus olhos. E de como eu era lindo. Eu nunca fui tão bom quanto você achava - ou dizia achar - quando éramos verdade. Fomos? Você me dizia também sobre o encaracolado desgovernado dos meus cabelos castanhos. E do desencontro do lado direito da minha boca com o lado esquerdo quando sorrio sem precisar pisar em ovos. Quase ninguém percebe. Falou do tom da minha voz quando te dizia que eras tu a pessoa mais bonita que meus olhos já puderam ver. Lembrou-me da calma no peito que eu sentia quando, pela manhã, os olhos abriam e ao lado tinha você. Do jeito do teu aconchego. Da forma com que ninas. Do cheiro do teu café. Da forma como tu dançavas tango na sala de nossa casa enquanto eu, no sofá, assistia - encantado - todo aquele espetáculo do teu dançar.
Eu me sufoquei. E ao olhar no espelho, não me vi. Acho mesmo que a sanidade me deixou. Em cinco segundos, voltei no tempo alguns anos. E fazia tanto tempo que você tinha partido, meu bem. Fazia tanto tempo que não sentia teu cheiro. E o cheiro do teu café. Que não te acariciava os cabelos e te ouvia as queixas e te beijava os olhos e te olhava a boca e te dava o mundo por saber que o mundo todo, para mim, vivia em você.
Foi então que eu entendi que os fantasmas não morrem, mas trocam de conteúdo. O teu fantasma, meu bem, ainda vive para me atormentar. E eu não sei por quanto tempo mais ainda vai me assombrar.