A fotografia ainda não havia padecido à banalização, entretanto, também nem sempre estava disponível para registrar outros momentos memoráveis ou que essa nomenclatura adquiriram conforme o avançar do tempo agregou um sentido mais profundo ao clique despretensioso. E esta sou eu, vinte anos atrás. Uma garotinha de doze anos vivendo o ciclo transitório entre infância e adolescência. 
    A ponte suspensa num lago revolto separa a menina da mulher. 
    E foi dado o primeiro passo. O sol de verão raiava clemente no céu daquele ano intenso por essência, divisor de águas. Era início de janeiro e a energia contagiante criava aquela esperança que serviria de escudo nos dias mais carrancudos, que não foram poucos. Aquelas transformações mais nítidas no âmbito exterior são apenas um terço do que decorre de fato. Elas norteiam as etapas do crescimento. 
    Olhar esse sorriso tão desprendido é promover um reencontro com essa criança tão cheia de sonhos, inocência, pureza e.. feliz. Não à toa os primeiros passos são determinados, animados, seguros. Cordões grossos de barbante são o corrimão em que muitas e muitas vezes se chora e ninguém vê, quando o vento sopra forte e despenteia os cabelos, quando as gotas de chuva misturam-se com as lágrimas. Cada passo sobre a tábua é um desafio vencido. Os pés fincados sobre o piso de madeira, cadarços bem amarrados, olhares cautelosos, mas firmes.
    Para a menina que amava entrar no mar, o início do sétimo ano era uma doce expectativa: comprar material escolar novo (e sentir aquele cheirinho bom), o desejo de fazer novas amizades, a curiosidade em aprender, que fevereiro chegasse o quanto antes... 
    Toda noite antes de cair no sono do crescimento eu tinha aquele encontro magnífico sob a penumbra com aqueles amigos que moravam dentro do meu coração havia tempos, cujas aventuras já preenchiam minha vida com cores, sorrisos e possibilidades onde as demais pessoas enxergariam portas fechadas. Eis que uma folha multiplicou-se em várias, até o dia em que não foram mais encontradas, sumiram como que por encanto, para o universo dos sonhos desfeitos, quiçá. Porque toda vez que você desiste de um sonho, não importa o tamanho dele, abre mão das prerrogativas porque o máximo que pode se suceder é o "não". Eis outra verdade inegável.
    Poderia ser o fim da história ou aquela que se concluiu deixando brechas para inúmeras suposições, entretanto, hoje entendo esse fragmento da minha vida sob outro aspecto: o gancho para um grande ponto de conflito que me ensinaria a ser quem sou hoje porque apesar de os espinhos terem arranhado meus braços nos trechos mais íngremes, as grandes provações além de mostrarem o tamanho da minha força, também me remetem àqueles valores que servem de bússola para nunca perder de vista o que realmente importa. 
    Cabisbaixa e reflexiva, mas nunca derrotada. 
    O meu querer era um, a vida, entretanto, me preparava para mais uma etapa. Nossos desejos colidiram e a insatisfação apertava meu coração com força. Já era uma lição: as coisas não seriam como eu idealizava e caberia a mim aceitar isso ou então ser uma eterna rebelde, apesar de não ser minha primeira frustração, com doze primaveras na bagagem eu já acumulava diversas desilusões, despedidas e questionamentos. 
    Aquela não foi a primeira e tampouco seria a última mudança abrupta que recriou todo o conceito da realidade. Neste exato momento existe alguém, em algum recanto deste imenso mundo, chovendo por dentro como eu chorei naquele início de tarde. Por mais que surta pouco efeito dizer um vago "tudo vai ficar bem", algo que aprendi entre esses altos e baixos é que a capacidade de sobreviver às adversidades é uma virtude que se constrói. Não à toa sou capacitada de acordo com a etapa que encaro.
    Não havia para onde correr senão para a cama que abrigava aquele choro sentido de quem chove por dentro. Porque volta e meia chove. A introspecção é uma boa pedida. E cada pessoa encontra seu próprio meio de tornar a jornada um fardo mais leve.
     Alguns cantam, outros dançam e na escrita eu pude sonhar de olhos abertos, criar um lugarejo para me refugiar durante as tempestades, me aquecer nas noites frias e guardar com carinho a essência que (in)felizmente se perde enquanto a infância se transforma numa miragem no horizonte, vívida sempre nas memórias, nos aromas, sabores, costumes, relatos e nelas... as fotografias.
    Crescer não significa parar de sonhar, se tornar uma pessoa amarga, que deixa de curtir os deleites próprios da existência e se entrega ao marasmo de ver os anos passarem sendo apenas espectadora da própria vida. Porque não precisa ser assim. Desconectar-se da própria essência é a pior das perdas. Deixar de ser quem você é para adequar-se a um protótipo que pode servir para uns, mas não é uma certeza, nem uma obrigação.
    Não importa qual seja a sua designação, desfrute das miudezas desse privilégio e faça às pazes com aquela criança que vive dentro do seu coração (não importa quantos anos ela tenha: seja 3, 6, 9 ou 12), abrace-a e diga-a que tudo ficará bem. As responsabilidades chegam, você termina de cruzar uma ponte, vislumbra a vegetação e inicia outro percurso, inclusive, mais arriscado, o espaçamento entre as tábuas é suficiente para prender um pé, a ponte tremula conforme o ritmo do vento, algumas pessoas ficam para trás. 
    Sonho não tem idade nem tamanho, é sonho. E é seu. Os sonhos são nossas asas, o mundo poderá quebrá-las inúmeras vezes, porém você se levanta mais forte e para voar mais alto. Estar aqui hoje, não importa como tenha sido o seu dia, possui valor. Sinta o sopro da vida. Ora, esforce-se para trazer à tona todas as graças e livramentos que te acometeram até hoje. Sim, são muitos. E o medo pode sussurrar mil inverdades no seu ouvido, cabe a você absorver e se acanhar ou respeitar o posicionamento diferente, mas se nutrir daquilo que te preenche de esperança.
    Os obstáculos são diversos, as palavras de desencorajamento também, seu sucesso deixará muitas pessoas descontentes, mas minha advertência é sobre o conceito que o senso comum tem de sucesso. A grande maioria se prende ao estrelismo, quando ele não passa de um fragmento da realidade, assim como a fotografia. Orgulhe-se do trabalho duro que você faz quando ninguém vê. Orgulhe-se de começar e recomeçar sempre que necessário. De cada passo dado. Essas pequenas conquistas, quando somadas, dão a dimensão da sua determinação. Orgulhe-se de saber fechar ciclos. De tudo que faz parte de você.
     Eis o recado de alguém que já se encolheu em virtude do ódio alheio e "desistiu": é a pior das escolhas. A vida perde totalmente o propósito quando você deixa de sonhar. Aos 12 anos aquelas folhas perdidas poderiam ser um estímulo do medo a calar minha voz, mas não foram. Por mais que os obstáculos sejam quase intransponíveis, eu me depare com a falta de apoio, de empatia e até de ânimo, afinal de contas, quem os escreve é humana e também fraqueja às vezes, lembro-me de que a estrada é repleta de atalhos, se eu souber para onde ir, não importa qual deles eu escolha, desde que a força motriz seja o desejo de compartilhar com o mundo um olhar diferente sobre as coisas, o meu olhar, o meu sentir. E sentir não se julga.
    Deixa eu te contar, muita gente vai atirar pedras em você, prepare-se. A grande maioria delas não teria a mesma garra que você, tampouco faria melhor, então tenta te envenenar para que você não faça. É aí que você precisa se recordar daquela criança que mora dentro de você, se conectar com ela e serenar o coração... e isso é tudo... tudo que a vida me ensinou até agora.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 07/01/2021
Reeditado em 29/10/2021
Código do texto: T7154583
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