Meu lugar é nesse ponto indefinido

Seus pés cruzaram os longos desertos da vida, agora são os meus. As pegadas na areia apagarem-se, para rumos distintos, intui a jornada. Talvez nos encontremos de novo em algum trecho, acenaremos e esse abraço que tanto me faz falta remonte os pedaços quebrados do meu coração porque, ainda que eu caminhe devagar e tente ao menos me manter de pé, não posso enganar ninguém dizendo que estou feliz.

    Posso até rir por alguns segundos e ter dias menos carregados de pavor e tensão, mas feliz não é um adjetivo que se enquadre no meu contexto atual. Tento, juro que tento, tento de verdade não chorar, mas no silêncio da noite o coração fica tão apertado que o único jeito de me aliviar é chorando, chorando pelo que não mais tenho, por quem não mais tenho.

    Seria um ato criminoso aprisionar um pássaro nascido para alçar voos mais altos e construir ninhos em diferentes recantos. Seria sádico erguer grades apenas para te manter por aqui. Eu nunca poderia chamar de amor, mas seria hipocrisia dizer que já te superei e encontrei outro alguém que me faz feliz porque não é verdade. Antes de você, eu não mensurava que um coração pudesse amar tanto outro alguém, agora creio que não haverá espaço, você ocupou-o, ainda ocupa. 

    Essa situação não se prolongará eternamente; se analisar com esse olhar mais racional, eu sofra menos. A questão é lidar com essa certeza tão dura de que aquele capítulo da história acabou, que aquela fase tão bonita em que você fazia parte da minha vida também chegou ao fim. 

É essa incerteza entre o fim de um ciclo e o início de outro que me mata.

    Não suporto ver casais felizes na minha frente e o quanto eles adoram se exibir porque embora eu saiba que cada pessoa tem o seu tempo e a sua missão a cumprir, me comparo e questiono por que você tinha que ir embora, sendo que se voltei a acreditar no amor foi porque você entrou no meu coração.

Agora não faz mais sentido procurar alguém porque ninguém nunca será igual a você, ninguém terá esse sorriso, esse olhar doce, essa voz gostosa de ouvir, ninguém fará eu me sentir incrível de novo, ninguém trará de volta a primavera fora de hora, por isso tenho raiva de quem está vivendo o melhor momento da vida logo agora que cruzo esse longo e interminável deserto. Porque eu queria estar no meu auge. Da beleza. Profissionalmente. No amor. No amor, sobretudo.

    Queria ser o seu primeiro e último pensamento do dia, saber que sou o motivo do seu sorriso, que por minha causa você suporta a vida adulta com ânimo de criança. Queria ser a pessoa com quem você tem o prazer de usar aliança, ser a pessoa preferida de alguém; aliás, ser a sua pessoa preferida, que todos soubessem que esse amor não é ostentação, é verdade, transformou para sempre um destino. 

Queria que os seus amigos soubessem por que você prefere passar mais tempo em casa. Que tudo que parece tão impossível na conjuntura atual, porque estou mencionando aquilo que não se implora, que acontece de modo espontâneo e puro e belo, é quando se dá dessa forma.

   Parece drama adolescente eu choramingar porque sou a única solteira do mundo cercada de casais felizes e sorrisos largos por onde quer que vá, chorando por um amor que foi embora, que ainda sou aquela adolescente solitária usando o uniforme da escola e vendo todas as outras sendo cortejadas, paqueradas e eu sempre gostando de alguém que nem suspeitava do meu gostar, seja pela diferença de idade ou por qualquer outro impedimento. 

Não é que os outros tipos de amores não supram minhas necessidades, é que o tipo de amor que me falta é esse que voou para longe, que você poderia me dar. 

  Sentir algum conforto com a própria sombra não deveria ser normal, entretanto, diante de determinadas circunstâncias existenciais, o peso no peito é tão, mas tão grande que apenas o vislumbre de silhuetas que se abraçam já sacia a fome de amor que abrasa cada pedacinho desse âmago todo maltratado.

    Ninguém pode cruzar o deserto por mim, tenho de suportar a escuridão e a solidão, por mais que sinta falta do sol, das flores, das joaninhas, dos girassóis, das risadas altas e de abraços apertados. Meu lugar é nesse ponto indefinido. 

    Quiçá, o destino me surpreenda e eu pare de te escrever como se você fosse ler, porque terei superado essa dor que hoje me atormenta. Hoje, não. Há meses. 

Nos últimos meses, não me sinto fazendo parte do mundo, dormir é o meu refúgio porque no mundo dos sonhos existe uma ínfima possibilidade de te ver e, com sorte, te abraçar. Enquanto eu abrir os olhos, sentirei culpa por estar triste demais para me sentir feliz por pessoas que fazem questão de ostentar a felicidade forçada que me joga para a escuridão.

    Tantas pessoas desinteressantes no mundo, por que logo você teve que ir embora?

    Sim, você teve seus motivos, mas tenho carregado junto à cruz a culpa, presumindo que uma atitude minha poderia ter feito você ficar… e esse nunca saber se sim ou se não me mata todo dia um pouco… se algum dia eu gostar de alguém, peço desculpas por não me entregar por inteiro. Nunca mais serei inteira porque te amei tanto, mas tanto que (por enquanto) não acredito que vá amar alguém porque duvido que exista alguém melhor do que você.

-12/11/2020

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 12/11/2020
Reeditado em 04/02/2024
Código do texto: T7110103
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