Por que o fim machuca tanto?

O fim machuca porque somos orgulhosos demais para aceitá-lo. Fere-nos o ego admitir que nos equivocamos ao projetar um futuro pleno, compartilhado. Achamos injusto o destino não nos tratar como privilegiados que não precisam experimentar a ruptura e são agraciados com uma compatibilidade constante. Não aceitamos que o tempo investido tenha sido desperdiçado quando, eventualmente, concluímos que não poderemos colher os frutos que acreditávamos estar a semear.

O fim machuca ao nos confrontar com nossos próprios erros, os quais contribuíram para fazê-lo se achegar. O orgulho prefere apontar culpados a ter que admitir que, na verdade, plantou aquilo que mais temia. E agora recusa a colheita indesejada. Deixamos o vaso cair no chão e se desfazer em pedaços, mas insistimos em olhar para os cacos como se ainda pudessem voltar a ser algo inteiro. Às vezes, até tentamos nos isentar da responsabilidade pelo desastre: juntamos as partes e deixamos que o primeiro desavisado leve a culpa ao mais sutil esbarro em nossa obra de arte grotesca. E, pior, acreditamos mesmo merecer absolvição.

O fim machuca pois ele escancara tudo aquilo que deixamos para quando fosse tarde demais. Ele desmente todas nossas ilusões sobre possuirmos algo para sempre. Enfim percebemos que nunca de fato possuímos coisa alguma. Um equívoco quase inocente, de preço exorbitante. E não há arrependimento no mundo capaz de fazer o relógio girar ao contrário. Outra vez, temos nosso orgulho ferido. Nunca nos havíamos sentido tão submissos ao tempo.

O fim machuca pois subestimamos sua chegada. Vivemos como se não houvesse amanhã e, no dia seguinte, quebramos a cara. Ele chega sempre cedo demais, porque nunca nos preparamos para recebê-lo. Pensamos no fim como nosso grande final, uma morte com honrarias. Mas esquecemos que se morre aos poucos, durante o caminho. Morrem momentos, morrem pessoas, morrem planos, morrem convicções. E todos eles levam consigo um pedacinho de nós. Lá se vai, também, mais um pouco do nosso orgulho, já desmantelado pelas frustrações que esquecemos de prever.

O fim, ironicamente, machuca porque temos medo de sofrer. Temos medo de que o fim nos roube a alegria e, preocupados, esquecemos de cultivar nosso jardim de sorrisos sinceros. Temos medo de que o fim leve embora o que temos de mais caro, e, segurando forte demais, criamos a necessidade do escape derradeiro. Temos medo de que o fim vá nos atormentar com as lembranças e, por isso, perdemos a oportunidade de focar em criar memórias incríveis; estamos ocupados demais planejando como iremos destruí-las. O fim machuca porque nosso orgulho nos impede de ficar enquanto podemos e não nos deixa ir quando devemos.

Dancker
Enviado por Dancker em 09/08/2020
Reeditado em 09/08/2020
Código do texto: T7030367
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