Ansiedade e militância: desfecho de um chamado

Há meses venho participando de uma organização de caráter revolucionário, inspirada na doutrina marxista e nos escritos de Marx, Lênin e Trotski. Identifico-me bastante com o jornal desse organismo, que serve como aparelho ideológico para disseminação das ideias revolucionárias no Brasil. Os aspectos associados à denúncia dos fatos políticos, econômicos e sociais que afetam a classe trabalhadora brasileira sempre me chamaram atenção. De fato, posso considerar que essa organização foi a que mais fomentou meu pensamento político nesses últimos períodos. Porém, confesso que nunca tinha me imaginado exercendo militância política por algum organismo, e mais ainda um que se pretende a ser revolucionário na construção de um partido de massas.

De fato, não era um objetivo meu, acabei sendo envolvido pela discussão em torno das leituras e estudos, mas eu de fato não tinha planejado nada disso e confesso que isso me assustou um pouco porque fiquei fora do controle como se estivesse sendo tragado por algo inesperado. Essa sensação é bastante incômoda, é como se eu estivesse andando no desconhecido e de fato, nunca gostei de sair da zona de conforto porque ela me da segurança. O que eu estava achando interessante era que vinha observando as insinuações de duas militantes dessa organização. No fundo, estava apenas esperando o convite para fazer parte do quadro de militantes desse organismo, mas não queria ser convidado, uma vez que o convite fora feito, aceitei para entender como funciona algo dessa espécie.

O que eu posso dizer a vocês é que me senti entrando em uma espécie de seita, isso me assustou um pouco, principalmente porque as duas militantes em um determinado momento começaram a me perguntar sobre a minha crença, se eu era cristão e se acreditava em Deus. Fui altamente sincero com elas no sentido de explicar que minha formação era católica Romana, e que acredito em Deus, posso colocar dessa forma porque, apesar de não ser uma forma dogmática de enxergar Deus como nos é ensinado na catequese, eu ainda continuo a acreditar em uma forma superior, e a figura de Jesus Cristo pra mim é bastante interessante, mesmo que eu o enxergue como uma liderança popular de um tempo e de uma sociedade. Claro, entendo que as igrejas possuem problemas, admito que não convivo em igreja, mas não poderia negar essa minha conexão espiritual que possuo e não sei explicar muito bem.

De certa forma o que posso dizer a vocês é que eu sou do tipo da pessoa que agradece pelo alimento, pelas condições de vida que possuo, mesmo que de forma mental eu tenho essa atenção, não é sempre que faço isso, por vezes esqueço, mas uma vez ou outro estou agradecendo a Deus. Outro elemento seria, por exemplo, em um processo de seleção que fiz, eu orei bastante a Deus para que eu conseguisse passar. Minhas orações são do tipo conversa mesmo, não sou muito de rezar conforme a cartilha Romana.

Diante desse quadro, ao externalizar essas minhas posições, acabei percebendo certo descontentamento das duas militantes, acredito que seria mais cômodo para elas um ateu declarado. Mas não poderia mentir sobre algo que não sou e não tenho vontade em ser, estaria contrariando minha forma de ser, pelo máximo que eu não concorde com as leituras catedráticas sobre Deus.

Passado algumas perguntas, as militantes me explicaram elementos burocráticos da organização, de longe, senti como uma espécie de funcionamento empresarial, com hierarquias, direitos e deveres. Sou uma pessoa pragmática e cartesiana, quanto a esse aspecto, não vejo problema nenhum. Contudo, o que me preocupa é o tempo, não quero gastar muito tempo além do que esse que eu já gasto sendo um consumidor do site, talvez exija um pouco mais de atenção agora que sou um militante aspirante, mas centralmente, não quero que isso infle a minha vida, se torne o centro dos meus pensamentos, até porque eu tenho como norte o término de minha pesquisa na pós-graduação.

Sobre esse ponto, fiquei bastante ansioso quando passei a me imaginar como um indivíduo militante. O tempo foi uma das questões que mais me preocupou. Fico com receio de não dar conta das atividades ou ser atrapalhado por elas. O fato é que eu sou mais um acadêmico do que um militante, isso é inegável. Mas, como meus estudos e reflexões estão inseridas nesse corpo maior de pensamentos e análises, a ação concreta se faz necessária. Esse convite me fez pensar onde estou e para onde vou. Isso em si gerou uma ansiedade profunda. Passei a pensar em algumas coisas, a exemplo do meu objetivo em estar estudando, se de fato serei professor um dia. Serei capaz de corresponder às expectativas? De que forma irei me encaixar em algumas pautas que mesmo tendo uma discordância, prefiro me silenciar porque sou minoria e sei que minha opinião não seria assim tão plausível. Será que isso me atrapalhará nos estudos e pesquisas ? Enfim, são elementos que passam pela minha cabeça ao receber e aceitar tal proposta, de fato, uma coisa eu digo a vocês, escrever essas linhas possui um efeito de calmante, me sinto mais pleno ao escrever dessa forma, é como se estivesse jogando na lata do lixo os pensamentos que me incomodam. E sobre a militância, apenas o tempo dirá como irei agir e me posicionar diante dessa situação nova que se desenha na minha frente. De uma coisa eu sei, não sou uma pessoa enérgica, que fala alto, que possui expressões firmes e fortes, minha oratória não é em nada boa, e digamos, não sou um poço de segurança.

Quaresmo
Enviado por Quaresmo em 26/07/2020
Reeditado em 26/07/2020
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