“A Invenção da Esperança” (Desabafo autobiográfico)

Me lembro da primeira vez E DA SEGUNDA em que deixei de me importar comigo mesmo… Eu estava sentado num meio-fio em Guarajuba e tinha uns 7 anos de idade. Me distraía matando formigas com um palito de picolé… Eu ficava catando palitos pelas ruas, sozinho, na tentativa de encontrar um palito premiado e descolar um sorvete grátis. Aquilo me fazia ficar dias inteiros em baixo do sol ardente…

Esperança… Num dado momento suspirei e disse a mim mesmo – não havia ninguém pra me escutar por que Guarajuba ficava completamente deserta no inverno - “Porque as pessoas sofrem tanto...?”. Eu era amigo dos filhos dos caseiros, jardineiros, cozinheiras e etc. Nunca fiz distinção. E eles tinham uma vida… uma vida... dentro de casas minúsculas improvisadas nos fundas das casas dos seus patrões. Isso me aborrecia. Eram meus amigos… Eu os adorava. Apenas por alguns segundos, isso me deixou puto da vida...

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Mais uma vez em guarajuba, fim de semana, estava quase chovendo e eu bem gripado. Meu melhor amigo tinha uma casa com piscina, mas não era SÓ isso… Eles eram mais animados que nós... Minha família é intelectual e silenciosa... E eles eram verdadeiros domingueiros fazedores de churrasco e ouvidores de Axé Music! Eu achava isso um barato! Estacionava minha Bicicleta Caloi e passava o dia inteiro com eles… Mas, Naquele dia, na hora que eu já ia saindo; uma garoa começou. E minha mãe ordenou que eu ficasse em casa. Chorei um pouco e protestei, mas sabia que não ia adiantar… Minha mãe jamais cedeu a birras. Passei alguns minutos resmungando sozinho, tentando odiar a vida, como todo bom menino amarelo que se preze… quando ouvi meu irmão gritar alguma coisa como: “iiihh!! AIII, ai, aiii…!! MORREU!! MORREUU”. Todo mundo correu e se juntou em frente a TV… em silêncio total. Era surreal e horrível demais pra ser verdade… O piloto - e ídolo nacional – AYRTON SENNA, morria bem ali… em nossa frente na televisão, num domingo de chuva… diante de todas as famílias brasileiras

Posso dizer que partir daí… Sonhar, levar a mão ao peito e me sentir parte de uma espécie de “Projeto de Grande e Bela Nação Patriota”… começou a se tornar incrivelmente difícil pra mim...

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Depois disso o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1994 e todo mundo chorou… Eu chorei também. Foi a primeira vez na vida que chorei de felicidade. Inclusive meus amigos ficaram rindo de minha cara na hora, mas eu nem me importei e continuei chorando. O choro do Brasileiro naquele dia, era um choro de alívio… um choro representativo. Que mostrava que ainda tínhamos em nós a (Maldita? Bendita?) ESPERANÇA… que nos mantinha vivos e servis, e produtivos... aguardando sempre um próximo herói. Fosse do esporte, ou um titã do entretenimento, uma grande música, uma grande banda do momento, que nos fizesse esquecer a dor que passou…

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O ano agora era 1996. Os Mamonas Assassinas morriam de uma forma assustadora, traumática e avassaladora pra todos que foram crianças e adolescentes naquele ano. Era a tal da esperança esfregando uma torta de maça estragada em nossas caras, de novo. Eu estava na Ilha de Itaparica com três amigos da escola. Um deles, que era bem moreno, surgiu branco como um papel, parecendo prender o choro… “Os Mamonas, morreram. O avião caiu”.

Ficamos nos olhando, pasmos, em silencio. Aquilo era demais pra a gente… Era muito, muito, muito… “vamos continuar o jogo”, alguém disse. Não me lembro quem foi. E não importa mais… O que importa é que esse menino – que ordenou que continuássemos o jogo – estava nos protegendo de um sentimento que não estávamos nem um pouco prontos pra viver... No dia seguinte, segunda-feira, na escola… Um colégio que deveria ter cerca de três mil alunos por turno (ou até mais)… Estava mais quieto que uma biblioteca pública. Todos os alunos emudeceram... Alguns professores tentavam puxar o assunto… Tentavam ajudar... Tentavam nos dar… Esperança. Mais uma vez.

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2019… estamos aqui outra vez. BRASILEIROS. Agora adultos e ainda apostando muuuito alto... Alguns apostaram num “Mito”… Outros ainda apostam num “Herói Nacional” de cunho perigosamente messiânico. Eu continuo aqui, achando ainda a esperança uma coisa extremamente perigosa e quase que implacavelmente avassaladora (pros nossos corações). Mas... acredito que não inventaram nada “melhor” que esperança. Principalmente no que diz respeito ao povo brasileiro. A gente tem futebol. A gente tem música PRA CARAMBA. E temos carnaval e milhares de belezas naturais e não-naturais… Cristo, O NOSSO POVO É LINDO!

Enfim, a gente faz churrascos e pega uma prainha no domingo... mesmo sabendo que o país está literalmente pegando fogo. Isso tudo parece alienação de nossa parte, mas NÃO É. Isso é um tipo único de RESISTÊNCIA. É resistir de uma forma bonita… É enfrentar o ódio sorrisos. Estão tentando nos fazer acreditar que o Brasil é Terra de gente má. Mas NÃO É. Invejamos alguns países que entram em guerra por seus direitos, mas… convenhamos que esse não é o Modus Operandi do povo Canarinho. Derrubaremos tudo o que há de errado – na hora certa – e com muito amor. Pois parece que em termos de ESPERANÇA, o Brasil é Primeiro Mundo...