A

Escute-me bem, benzinho: isto aqui não é um poema. Isto é tudo - ou melhor, pode ser tudo - menos um poema. Há quem tenha chamado de súplica; outros, preferem-no como uma carta de amor, talvez até de despedida. Pouco importa, eu só não o quero como um poema. Não que não goste de poemas - você bem sabe o quanto os leio cotidianamente -, mas dessa vez, não. Pra mim, prefiro tê-lo assim, sem nomes, sem classes.

Parece-me que os dias não encontram mais, na vigésima quarta hora, o motivo ideal para acabar. Trezentos e sessenta e cinco dias anuais e eu ainda não me acostumei com a ideia de você não sujar o lençol da cama que compramos para nós e que você sequer fez questão de levar contigo.

Chamaram-me de o último romântico. Como se eu quisesse sê-lo... Nunca quis. As órbitas, tão desorganizadas entre si na dança do universo, é que me tornaram assim, antes mesmo de descer ao mundo como matéria viva e humana.

Queria eu que isto que escrevo agora saísse rapidamente, cuspido pela boca e coração. Tudo o que eu tenho é a primeira letra do alfabeto. Tudo o que quero agora é tua ligação me pedindo pra que volte. E eu nem fui, meu bem.

Por que me é tão difícil aceitar o fim de algo que eu não queria que tivesse fim? Você me pergunta na ligação que não fez. E eu, no mundo de não acontecimentos que eu invento, te respondo que é exatamente por não ter querido que acabasse. Dói o peito não termos o nós no presente. Como te dizia Benjamin, você inventou uma nova gramática e esqueceu – de propósito – de conjugar os verbos no presente se o sujeito for a primeira pessoa do plural. O ‘nós’ não existe mais.

A. É tudo o que tenho. E nem John entende o que eu quero dizer com isso. A de amor, meu bem. A de dor, também. A de fim, porque tudo acabou no começo, para mim. A do grito contido na garganta que sufoca, mas não mata.

um poeta da noite
Enviado por um poeta da noite em 04/07/2019
Reeditado em 14/07/2020
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