Divagações durante a caminhada matutina.
Eu costumo associar músicas e sons à pessoas ou situações.
Pode ser estranho.
Imagina só, ao invés de simplesmente excluir da mente uma pessoa / situação do passado, meu inconsciente traz de volta tudo sobre, se a música certa tocar em algum lugar.
Às vezes é engraçado, às vezes é ruim. Depende da pessoa.
Por exemplo, o zunido baixo mesclado ao famoso White Noise (é como se estivesse silêncio, mas não aquele que faz você ouvir até as batidas do coração. Imagine uma casa mobiliada, mas sem barulho algum) me lembra quando passei um mês internada e sozinha num quarto grande demais pra mim.
Se eu ouço Backstreet Boys, eu sou transportada pro carro ‘dele’, dançando e cantando I Want It That Way, e ‘ele’ rindo e cantando também.. Numa época onde nossos problemas ainda conseguiam ser resolvidos com um abraço e uma promessa de não ir embora.
Ou alguma música de The Rasmus me faz pensar em pegar o ônibus às 21, quando estava mega vazio e divagar o caminho inteiro.. Eu lembro que meu pensamento mais comum era pensar que eu deveria trabalhar em algum período noturno.. Porque além de gostar do som da noite (aquele silêncio poluído por white noise, vento, alguns grilos, buzinas, motores e algumas risadas esporádicas), eu gosto do cheiro dela (ok, pode soar meio estranho, já que moro na maior cidade da América do Sul; portanto, poluída), mas o cheiro do vento trespassando os prédios sem tanta interrupção automotiva, algumas árvores floridas.. Me faz sentir tranquila, de certa forma.
Eu aprecio silêncios. Acho que você deve ter percebido. Andar numa rua de manhã quando o sol está nascendo, e não passar carro algum, e as pessoas ainda não estão prontas pra saírem falando, então você apenas ouve o farfalhar das folhas das árvores e alguma brisa esporádica.
Outra coisa que gosto são os sons de pássaros. Pelo menos os que ainda sobrevivem na cidade me fornecem um pequeno prazer diário matutino.
O barulho de trem nos trilhos de trem me lembram de quando eu ia pra Osasco pra ver um namoradinho que minha família adorava, mas que achavam ‘agressivo’ demais, por causa das tatuagens, piercings e alargadores que ele tinha, mas que era uma pessoa super bacana. Até hoje ele é lembrado por alguns parentes meus, e eu soube que ele tem uma filha linda agora e está casado. E, de verdade, eu fico contente em saber que ele se estabeleceu e está feliz.
Eu gosto de músicas que tem o som do violão, não só guitarra e baixo. Violão, puro e melódico. Automaticamente me passa uma sensação de melancolia ou romantismo que eu não consigo não adorar.
Tem vezes que a memória olfativa me traz situações que eu decido gostar de lembrar.
Cheiro de eucalipto me lembra a única vez que eu comprei um buquê de flores pra mim mesma. Era grande, com grandes galhos de eucalipto, com as folhas verde acinzentadas e aquele cheiro que parece que penetra sua alma. Tinha também rosas cor-de-rosa, um lírio, um galho seco de algodão, alguns ramos de cravo e algumas flores que infelizmente não me recordo os nomes. Era lindo e eu consegui fazer com que durasse três semanas e meia. Um feito raro pra um buquê.
O cheiro de chuva, terra molhada e ‘mato’ me lembram uma manhã andando de mãos dadas pela grama, ouvindo os pássaros e molhando a barra do meu vestido, conversando sobre pássaros que faziam ninhos na grama e ficavam ariscos.. Nesse mesmo dia chuvoso eu aprendi a remar e não tive tanto pavor de me afogar, mesmo estando no meio de um lago sem o colete salva vidas (um erro, eu sei). Eu sabia que ele me salvaria. Ele sempre me protegeu de me machucar ou me queimar demais no sol, ou ficar doente por pegar qualquer vento a mais.
Eu gostava do cheiro almiscarado da barba dele, e de como o ‘cheiro da rua’ sobrepujava o perfume dele quando ele me abraçava.
(Eu digo cheiro da rua porque não cheira a nada mais. Não sei se você já chegou a abrir algum caderno que você só usa na faculdade, tem aquele cheiro não de papel normal, mas de rua. Não sei explicar.. mas ele cheirava assim pra mim, e eu gostava..)
Gosto do cheiro do mar, quando está relativamente limpo. Eu penso em manhãs tentando levantar pra fotografar o nascer do sol e falhar miseravelmente, porque ele tava do meu lado com seu cheiro de barba e de nada, de caminhadas com os pés na areia e ele reclamando do calor, mas não saindo do meu lado, de chorar dentro do carro numa balsa, enquanto ele me olhava sem saber o que fazer, apesar de se sentir culpado por me colocar numa situação desagradável e que eu não merecia.
E cheiro de cigarro me lembra ‘ele’. Sim, o famoso ‘ele’ de quem eu falo nas cartas que escrevi aqui. Eu não sei dizer se eu já estava acostumada, ou se ele fazia o possível pra não cheirar cigarro perto de mim, porque ele sabia do meu desagrado.. mas com o tempo eu fui ficando levemente tolerante, ou apenas acostumei.
Eu também gostava do cheiro do cabelo dele, que usava os shampoos que a mãe dele comprava, me lembro especificamente de um de caviar que cheirava super bem, apesar do nome.. Esses cheiros me fazem lembrar de passear na Liberdade e comer camarão pela primeira vez desde minha crise alérgica que quase me matou, de comer nikuman com shoyu demais, de lutar pra abrir garrafas de ramune e me encantar todas as vezes que a bolinha descia.. Lembro de ouvir ele falar da vida dele no Japão e de como ele fazia drift em Nagoya (acho que era lá) e de como eu gostava de ver ele animado ao falar de algo.
Gosto do cheiro de cravos. A textura das pétalas, o cheiro sutil e não enjoativo, a durabilidade da flor em si.
Gosto do cheiro de pele com hidratante. Quando as pessoas se hidratam e passam por nós na rua e vem aquele cheiro doce exalando delas.. Me deixa contente (Eu espero q eu cheire assim, porque faço esse processo, mas meu nariz já acostumou com o cheiro dos meus perfumes e cremes).
Gosto do cheiro de Brownie recém-assado. É meu bolo favorito atualmente. O chocolate meio amargo não deixa o cheiro enjoativo, e o calor do forno parece abraçar meu corpo frio.
Eu não tinha parado pra pensar em quantos cheiros e sons me deixam de bom humor ou me passam uma sensação agradável..
Eu esqueço de apreciar o que tenho em volta, na maioria das vezes, e fico tão bitolada nos meus pensamentos negativos sobre mim mesma e sobre tudo à minha volta..
Claro que não são só coisas boas que me vem à mente com os sons e cheiros ao redor, também lembro de coisas ruins, mas essas eu prefiro não comentar aqui..
Ouvi Seni Ben Nasil saklarim, de Emre Azaklar enquanto escrevi isso.