Acidentes de percurso
Se alguém assistiu a Efeito Borboleta, com certeza deve se lembrar de uma característica marcante do filme protagonizado por Asthon Kutcher: toda vez que o personagem usava de seu poder de voltar no tempo para consertar algo, mil outros problemas surgiam, provocando tristezas e tragédias que abalavam a vida das pessoas que ele amava. Tudo isso é uma amostra da teoria do caos, que diz que o ruflar das asas de uma borboleta causa um tufão no outro lado do universo. O que isso significa? Podemos aceitar como uma resposta razoável que, por mais que pensemos no que vamos fazer e calculemos os nossos atos, não controlaremos todas as consequências. No final, Ewan opta pela alternativa menos egoísta, abrindo mão da mulher que ama para que ela possa viver e ser feliz. Ele evita que ela morra, mas não vemos o final feliz típico de Hollywood.
Filmes que falam sobre viagem no tempo sempre nos fascinam. Sucessos como De volta para o futuro e Timecop (protagonizado por Van Damme) provam o quanto nós guardamos o desejo secreto de voltar no tempo e evitar certos erros que cometemos no passado. Porém, Efeito Borboleta toca num ponto delicado. Será que, mesmo que pudéssemos voltar e reparar o que houve, isso garante que estaríamos vivendo a vida que acharíamos que poderíamos estar vivendo se tivéssemos feito outra escolha? Digamos que você volta no tempo e diz ao seu pai para não começar a fumar para que ele não desenvolva câncer de pulmão. Ótimo, este é um desejo nobre. Mas acontece que todos nós precisamos entender que não controlamos tudo que existe. Estamos sujeitos aos acidentes de percurso. Então, se você convence seu pai a nunca fumar, você conseguirá evitar que ele tenha câncer de pulmão. Mas aí seu pai, depois, sofre um acidente e morre.
Digamos que eu volte e fale para mim mesma mais nova que escolha outro curso universitário ou que não confie nas pessoas que eu confiei e me traíram. Eu posso impedir que certas experiências ruins que me marcaram ocorram, mas não posso garantir que outras coisas ruins ocorram e me tragam lembranças ruins que substituirão as que eu vivi e voltei para desconstruir. Coisas ruins acontecem com todas as pessoas, tenham elas provocado ou não. Você pode ser um motorista cuidadoso, mas isso não lhe impedirá de sofrer um acidente de carro se você tiver o azar de cruzar o caminho de um motorista bêbado. Você pode casar com um homem achando que ele é maravilhoso para depois descobrir que ele abusa da sua filha.
Ao pensar em certas coisas que fizemos, podemos nos arrepender amargamente. Mas pensemos bem: será que daria para termos agido de outra forma? Não sabíamos o que sabemos hoje e, no caso de termos confiado em alguém, precisamos lembrar que, muitas vezes, aquela pessoa não dava o menor sinal de que havia algo errado com ela. Lembrei disso ao pensar em um fazendeiro que se arrependeu de ter dado emprego a um homem que depois estuprou e matou a filha de um dos empregados. Embora ele se lamentasse, ele próprio disse que dificilmente teria feito diferente, porque nunca havia percebido que o homem era um monstro. Aliás, ele parecia um empregado exemplar.
Então, temos de admitir que não podemos controlar quase nada. O mundo e a vida são imprevisíveis e mesmo nossos menores atos podem causar efeitos que fugirão ao nosso controle. Ao cruzar um determinado caminho, pode acontecer tudo ou nada. A gente nunca sabe realmente o que vai encontrar e, como mostra Efeito Borboleta, talvez tentar mexer no que já existe pode ser pior. Numa cena marcante do filme, o pai do protagonista diz que não podemos mudar nada sem destruir o que está estabelecido, pois toda vez que mudamos algo, destruímos alguma coisa. E teremos muito trabalho para nos reerguer.