Eu, fragmentada
Queria ficar presa nos fragmentos do mundo.
Quem sabe ser um pedaço do pôr do sol, me misturando nas suas cores e deixando essas dores para trás.
Queria viver em um quadro e ser retratada por toda a eternidade como o vôo de um cisne. Ou o exato instante em que uma aranha se joga no vazio para traçar a primeira linha da sua teia, criando seu próprio destino.
Queria ser o azul esbranquiçado de um mar cheio de espuma, a mesma espuma que abriga os corpos de sereias que por algum motivo morreram e após 300 anos poderão tentar alcançar o paraíso se transformando em um espírito do vento.
Uma hora ser a sensação de quando provamos algo delicioso depois de muito tempo. Aquele gostinho que faz cócegas gostosas na nossa alma. E na outra, a liberdade que habita o vento, conhecendo tudo e rodopiando em fios de sonhos e cabelos.
Queria ser o embalo da risada para aquele que ama o dono de tal som.
Queria ser o torpor engraçado quando se começa a ficar bêbado, quando tudo fica leve e maravilhosamente bem por alguns instantes.
Queria ser a batida suave ou agitada daquela velha canção.
Mas não sou. Sou só eu, presa nessas inquietações, nessas angústias, nessas verdades dolorosas e beirando a loucura. Sou apenas isso e nada mais a oferecer. E é penoso viver nesse mundo tão bruto e solitário. Mas é o que tenho e quanto a isso não há muito o que fazer, apenas imaginar o que poderia ser. Virar na imaginação o que a realidade não me permite ser.
Mas dentro de mim, onde ninguém pode ver ou tatear, em um lugar que é só meu e que se espalha por tudo que se encaixa nesse meu ser, habita todas essas fantasias e elas vivem e pulsam e gracejam com essa eu aqui de fora, como para garantir que há um mundo em que eu posso ser o que eu quiser. Uma vírgula, um travessão ou mesmo um ponto final.