Senhor das Moscas
“Mata o porco! Fura a pele! Tira o sangue!”
Na mata um grupo de garotos se reunia. Miguel com os cabelos escorrendo pela testa, encobrindo os olhos. O olhar obliterado pelo que via.
O grupo dançava ciranda, ululava um cântico insólito.
“Mata o porco! Fura a pele! Tira o sangue!”
No centro da roda uma criança, encolhida, pressionada pelo grupo. Todos portavam lanças e pungiam a carne do garoto.
“Mata o bicho! Tira a carne! Fura os olhos!”
A criança – Carlos - apenas seis anos, já tinha desistido de chorar. Sua testa lívida, olhos encharcados, naufragados. O corpo recolhido, retorcido, impelido para o chão. A boca cheia de areia, as costas riscadas. Já se encontrava em estado de prostração, uma submissão de reconhecimento de seu destino.
“Mata o bicho! Corta a pele! Tira o sangue!”
O céu observava impávido, pouco interessado no que via.
“Mata o homem! Tira a pele! Arranca os olhos!”
Carlos era um ponto amorfo, desvanecido. Podendo ser confundido com a areia: lisa, branca, fina; vermelha. As crianças foram perdendo o interesse. Miguel disse:
--- Cansei de brincar disso!
“Mata o homem! Tira os braços! Fura a carne!”
Todos se afastaram. Agora estavam correndo, pulando na água. Marcando a terra com seus passos ansiosos. O ar reassumiu um tom de normalidade.
Se não fosse a areia degenerada - esta que agora abraçava o corpo de Carlos, e sorvia seu sangue - poderíamos dizer que esta cena jamais acontecera.
Os meninos se espalhavam, o sol corria para trás de uma montanha, adquirindo aquele tom dourado/alaranjado, pintando de ouro a pele dos garotos, tingindo de alvorecer seus cabelos desgrenhados.
O vento soprava na noite iminente.
“Mata o homem! Come as vísceras! Bebe o sangue!”