O dia de hoje
Hoje é dia de café. Café preto. E não precisa nem ser forte. Hoje é dia de café aguado. Café rápido. Que se faz pra tomar em cinco minutinhos, no intervalo entre a nova ordem do chefe e o projeto da semana passada que você vem atrasando por pura falta de tempo. É dia de café preto, frio e amargo. Como é a vida.
É domingo de carnaval. E eu aqui, sem festejar a carne - como é de se esperar - nem nada, preparo outra xícara para me afogar. Já deitei fora a possibilidade das doses. Não por falta de tentar - bem sei que tenho causado inveja aos ébrios habituais -, mas por mera falta de esperança.
Meu café anda mais amargo que o de costume. Não ando com muito tempo para adoçá-lo. O açúcar e o adoçante já me causam certa repulsa. Ouso dizer ter vivido os primórdios da aversão.
E é você a causa disso tudo. Ainda é. Veja: você é quem me adoçava a vida. E eu já não tenho mais você por aqui. E muito embora não queria mais tê-la por perto, há, lá no fundo de minh'alma, um pequeno vazio. Tem teu nome estampado à cara. É a amargura de uma vida sóbria misturada com a insatisfação sentimental da vida lavada a porres que venho levando.
Eu já nem pensava mais em ti. Parecia que tudo aqui estava muito bem resolvido. Eu andava, dia após dia, com o sorriso pintado à cara. Sorriso que eu mesmo esculpi por não achar justo ter que sofrê-la por mais tempo, já que você não fez o mesmo por mim no segundo adjacente àquele de nosso fim.
Hoje, olhando com clareza e até certa indiferença, percebo que antes não podia entender o que hoje me é muito simples: você matou em mim, o que, em ti, havia morrido há muito tempo... E eu já nem te culpo mais. É, eu não te culpo, mas... Você sujou nós dois. Entende? Será que não percebe? Você sujou nós dois. Não pelo fim em si, mas pelos meios que ousou criar para que nele chegasse. Eu não merecia. Nós não merecíamos! Eu não te obrigaria a sentir o que nunca sentiu. Eu sequer saberia fazê-lo. Mas você me afogou em mim. Fez com que eu sentisse imenso ódio de mim mesmo e da ausência de minha autossuficiência, que restara nítida. Eu não precisava ser tudo. Nunca te pedi pra sê-lo. Mas ver você se tornando nada, assim, de uma hora pra outra... E mais: por opção tua... Ah, isso tem me trazido, noites a fio, a sensação de que o amor tece dores. E só isso é capaz de fazer.
Escrevo hoje, tudo isso, apenas para que o mundo saiba, quando não encontrar mais amor em meu peito, que meus motivos são suficientemente bons para não mais querer fazê-lo. Este é, portanto, meu pedido de desculpa antecipado. E quando os ingênuos - que certamente virão - me disserem que a vida é fadada à não felicidade, quando vivida sem amor, desde já direi que a prefiro assim. Prefiro ter de vivê-la sem as dores do amor do que ser obrigado a saber que, mesmo amando - e, necessariamente, sofrendo -, o mundo tem lá seus tons de desilusão e uma certa dose de injustiça.