Sobre felicidade facebookiana
Já reparou como só tem gente feliz no facebook? Só tem felicidade ali. Se pensarmos direito soa até como um paradoxo verificar a quantidade de fotos que denunciam momentos alegres e interessantes ao mesmo tempo que as fotos são postadas de modo individual e solitário por um usuário frequente da rede virtual de amigos.
A política? Nossa! Nunca vi tanto Ph.D. e comentarista político conhecedor das causas que comenta como ali no facebook. É tanta gente que já possui a receita certa para governar uma cidade, um estado ou um país, que se perde tempo e dinheiro buscando fazer campanhas e promovendo eleições cá fora das telas e dos likes. Quase sempre compartilhando conteúdo alheio e tomando para si a expressão de um pensamento quisto autêntico e profundo sobre as questões políticas, o sujeito que afirma algo em prol de uma conduta, um candidato ou uma decisão pública está mesmo é reivindicando a sua condição de cidadão bem informado e atuante sobre os problemas públicos de sua região. Muitos fazem isso sem mesmo nunca terem dado uma volta no quarteirão onde residem e percebido que os problemas, muitas vezes, são causados por si próprios.
Os relacionamentos também são demasiadamente perfeitos. Nunca vi tanto happy family na vida. Pelo número exorbitante de fotos, vídeos, declarações e utilização de emoticons engraçadinhos, nota-se que o amor, o afeto e o desejo de querer bem ao próximo nunca esteve tão em alta. Mas é curioso verificar a profundidade de tais relações e se perguntar se essas são o que são ou o que seus “amantes” gostariam que fosse ou, ainda, se são apenas o que querem que os outros pensem que seja. De modo interessante, vale repensar como se dão tais redes de carinho, ou seja, se são intensamente vivenciadas na prática do quotidiano feroz e nem tão perfeito assim das 24h e centenas de minutos do dia, ou se são apenas extensões ficcionais e atualizadas de suspiros românticos como se dava outrora com as novelas e romances de banca de jornal, só que agora compartilhado entre os mais próximos.
Já os profissionais do futuro, que agora são a prova cabal e presente do avanço capitalista e das suas mais aprimoradas divisões e especializações do trabalho, exibem jalecos com nomes nos bolsos, salas de aula avançadas, escritórios à céu aberto, obras e placas com a rubrica dos autores, como recortes de façanhas pessoais para demonstrarem aos “amigos” o quanto são bons, trabalhadores e produtivos. Ou seja, se tudo vai tão bem para aqueles que conseguem se engajar nas poucas cadeiras da super, não é preciso se preocupar com os míseros de milhares ex profissionais da infra, que agora devido à tão mitológica realista “crise econômica” que os jornais, de modo incansável, atualizam diariamente, dividem tempo, sol e espaço nas quilométricas filas para tentar o reingresso no mercado de trabalho.
Sobre as pautas sociais e das até bem pouco tempo chamadas de minorias, cabe retomar o que já foi dito, mas também vale acrescentar o quão é lindo observar tanta gente colorindo as fotinhas de perfil, compartilhando conteúdos de maturidade ideológica e que veiculem “textões” sobre a condenação de atitudes que ferem os direitos humanos ou que desrespeitem aqueles povos e sujeitos que reivindicam o direito de serem e existirem com as suas diferenças. Nunca se foi tão respeitoso na vida e no mundo como se é no facebook. Mas o engraçado é quando homens bem vestidos e com a aparência de serem conscientes de seu papel social, munidos de seus smartphones de última geração e discutindo a distribuição de renda no país, aproveitam-se da distração alheia de indivíduos e os ultrapassam numa das inúmeras filas do dia-a-dia. Ou, então, quando lindas loiras patricinhas de notebook rosa comentam com inveja e dor de cotovelo sobre o destaque que as negras rainhas da bateria tiveram no carnaval passado pela mídia afora, quando fazem parte de grupos contra o racismo, xenofobia e outras formas de preconceito, isso apenas naquela barrinha lateral abaixo da foto de perfil.
Enfim, isso parece um texto de um frustrado, solteiro, fracassado profissional e emocionalmente, hipócrita e crítico da política maniqueísta e rasa dos dias atuais. Estão certíssimos. É isso mesmo. Mas, como a lição que nos deixou o Brás Cubas, aquele defunto autor imaginado por Machado de Assis, que volta para narrar as hipocrisias de sua sociedade e da qual fazia parte de modo convicto, é bem melhor ironizar o que se vê e o que se faz quando se está com os pés na lama, do que olhar de través e de cima para replicar máximas de filosofia ultrapassada como se estivesse blindado do contato com qualquer partícula do ar que necessita para respirar.