A hora do Não pode ser a melhor hora para o Sim
A melhor hora de terminar um relacionamento é quando o encanto acaba. A paciência abundante dos tempos de paixão já míngua. A disposição para tolerar manhas, cobranças injustas, falta de reciprocidade, manias absurdas já não é o suficiente para tolerar o convívio.
A paixão que antes distorcia a razão para te fazer ver sol onde o tempo está fechado já não é tão ardilosa. Então você vê as coisas como são: o tempo realmente está fechado! Não é uma ilusão sua.
No começo você acredita que seu amor foi uma dádiva tão grande, algo que talvez nem mereça, que você faz de tudo e ainda acha que não fez o suficiente.
Depois de certo tempo, você sente que está lutando por nada. Você sente que se tornou um servo da pessoa, alguém que ampara, conversa, dá apoio, dá afeto, mas sem ter reciprocidade.
O momento em que estas expectativas se encerram, a de que não será mais que um servo afetivo, é o momento em que projetamos sobre outras pessoas ou mesmo projetos pessoais nossa energia. Sentimos prazer nas amizades, nos projetos ou até em conversar com outras pessoas, mas com a parceira não mais.
Isto por que você para de esperar. Não é uma decisão racional, nem um cálculo de custos e benefícios. Você começa a não ter no seu horizonte emocional esta expectativa. É a hora em que até ficar sozinho em casa sem nada pra fazer é ainda mais interessante que encontrar a pessoa.
A verdade é que podemos entrar na vida de outras pessoas de muitas formas. Na vida delas significaremos algo. É possível que o que você significa para alguém não seja nem aproximadamente o que acredita merecer. O papel que tem reservado para você na vida de outra pessoa pode ser bem pior do que acredite merecer.
É a hora de recusar o papel, seja qual tenham oferecido a você em troca de não estar sozinho, de algum afeto ou coisa assim.
Isto por que quando está sozinho o que você representa para si mesmo não entra em disputa com a concepção de ninguém. Você se acha merecedor de muitas coisas, as pessoas podem não achar o mesmo, elas só não podem te obrigar a acreditar no que elas pensam.
Então, ficar sozinho não é uma vergonha. Você não foi educado, viveu e experimentou tantas coisas simplesmente para te moldar para outra pessoa. Você não é um produto ou um artesanato esculpido para atrair a atenção de um comprador.
Você precisa existir para si. Alguém que faça coisas boas, que cuida e proporciona alegrias e vivências para si mesmo. Este "para si" precisa ser cultivado, ou melhor, preciso ter consciência de que você existe para você também. Quem é este "para si"? É o que você faz para você mesmo, o que sente em relação ao que faz ou deixam fazer com você?
Já vi pessoas adoecerem com relacionamentos ruins, por que ainda preferiram o papel pobre na vida de alguém do que encarar a si mesmo. Este "si mesmo" lhes dizia: você não tem qualidades, você não sabe cuidar de si mesmo, você é chato, você não é capaz...
Estas vozes da infância, de pais opressores ou omissos, se repetem nas parcerias futuras. É como encenar no presento o conflito não resolvido no passado. Mas o conflito só se encerra quando se consegue dizer verdadeiramente, tanto intelectual quanto emocionalmente, um NÃO.
Este NÃO só tem o caráter libertador e terapêutico se for dito da profundeza da alma. Este Não precisa inundar todo o seu ser, para que tanto você mesmo quanto a quem interessar possam entender que algo mudou e algo novo e ainda indomável surgiu.
Um NÃO que ecoa tanto interna quanto externamente. Um NÃO que significa um sim para a vida, a afirmação da dignidade para si e para os outros e o encontro de uma nova possibilidade de ser o que se é. Um NÃO que pode significar a construção de uma nova forma de ser para si mesmo e para o mundo.
Por outro lado, o Sim significa a aceitação da morte. A morte de um si mesmo doente, rancoroso, que tem pena de si, chato, frustrado, apequenado diante da vida. Mas esta morte só pode ser bem aceita se no lugar do que morre surgir o novo. A morte ganha sentido quando ela é necessária para que uma nova alma ressurja dos escombros de um Eu falido e destroçado.