O trabalho com a linguagem frente à barbárie eterna
Diante de tragédias imensas, guerras e terror das mais variadas formas, desde a colonização do corpo e da mente de outrora até os absurdos dos correntes dias, nós, professores de linguagens e, sobretudo, pesquisadores dos campos de humanas e de artes nos questionamos: o que aprender e ensinar a língua importa para a sociedade, quando a vida têm valido tão pouco e ofícios mais urgentes merecem a nossa atenção? Bom, a resposta parece estar, pelo menos em boa parte, dentro da própria questão, sobretudo quando observamos o quanto uma melhor comunicação e interação entre os seres e os povos das mais variadas e complexas culturas poderia, de fato, minimizar o ódio, a concorrência desleal, o egoísmo, para, quem sabe, obter-se a promoção de mais respeito, tolerância, afeto e ética.
Não se trata de uma ingenuidade de humanista ultrapassado, mas de um pensamento idealista e utópico sem o qual a sociedade já teria, certamente, se acabado, caso esta forma de pensar já tivesse se extinguido de forma total.
Não é interesse aqui ficar fazendo marketing da profissão, do campo do conhecimento tal, ou de uma escolha de vida, simplesmente baseando-se na observação subjetiva de um sonhador que acredita na humanidade acima de tudo.
Essa reflexão vai no sentido de provocar a própria reflexão sobre um mundo que conta com problemas bastante. Mas pretende, nesta discussão ainda, fazer imaginar um mundo sem momentos de leitura, de imaginações, de discussões enriquecedoras e respeitosas. Como seria?
O teatro, a pintura e a poesia humanizam os seres e apresentam múltiplas perspectivas para encarar os problemas do mundo. Até agora, muito mais do que matar, escravizar e segregar, as encenações, as pinceladas e os versos mais fazem pensar.
As narrativas ficcionais, muitas vezes, nos abrem portas que foram fechadas pelos discursos autoritários de ditadores, dogmáticos e historiadores cientistas, possibilitando a construção de uma nova compreensão do passado, do presente e ainda nos permite vislumbrar oportunidades diferenciadas para o futuro.
É claro que as letras e as reflexões artísticas e filosóficas também, em outros tempos e ainda hoje em alguma medida, serviram de instrumentos de poder de uma minoria interessada nos benefícios próprios em prol de uma maioria alijada do processo social de poder gozar de momentos de fruição estética.
Contudo, como formar novos e importantíssimos profissionais das áreas de saúde, justiça, engenharia, mecânica e de diversas outras áreas da tecnologia, por exemplo, sem convidá-los a conhecerem um pouco mais sobre as múltiplas possibilidades da linguagem e da arte na construção de novos conhecimentos?
Como exigir de técnicos altamente qualificados no campo das exatas e do raciocínio lógico uma clareza e uma melhor interação na produção de seus textos, visando a evitar erros catastróficos de problemas de comunicação e de interpretação de suas observações e de seus apontamentos, sem instigá-los a conhecerem as potencialidades do saber linguístico e do jogo próprio da textualidade?
Como obter uma maior competência na área jurídica de profissionais interessados em promover a justiça social, sem provocá-los a se tornarem leitores críticos e desconfiados das palavras e dos seus sentidos em determinada situação sóciohistórica, ainda mais quando as artimanhas da persuasão perpassam pela organização criativa dos seus discursos?
Como entregar a vida nas mãos de médicos competentes e comprometidos, sem que antes esses mesmos profissionais passem por intensas práticas de leituras profundas de textos que os sensibilizem e lhes apresentem faces mais humanas da vida, geralmente uma prática contemplada pelos textos criativos?
Como formar excelentes colaboradores e criadores de tecnologia relevante para dirimir os problemas da sociedade e potencializar a interação entre os seres humanos, sem apresentá-los aos perigos e às armadilhas de uma linguagem que, se não questionada, pode provocar imensas falhas na formação de opiniões, além de continuar a fortalecer a desigualdade de oportunidades e alternativas de conhecimento do mundo?
Enfim, esses são apenas alguns elementos que poderíamos invocar, não para legitimar a prática do aprendizado e do ensino da linguagem e da arte, mas antes, trata-se de vetores sem os quais não poderíamos deixar de lado numa importante discussão acerca do futuro da humanidade.
E só lembrando, esse futuro é agora!!!
19. 11.2015
(reflexão sobre as notícias atuais dos acontecimentos em Mariana-MG e Paris-FRA)