Espírito livre.
Meu casamento com Gustavo não durou mais que dois anos e eu sabia o porquê daquele desfecho, isto é, o sonho do casamento era somente meu, mas como as minhas ausências eram mais acentuadas que as dele meus desejos falaram mais alto e ele, acabou cedendo à ideia de casar e ser feliz, porém, por pouco tempo.
Logo ele se percebeu ou se viu como uma marionete nas minhas mãos, porque eu tentava trazê-lo para o meu mundo, desconsiderando o dele que, por sua vez, era muito distante do meu. Se eu fui feliz? Fomos um pouco. Amamos, brigamos, voltamos, brigamos, até que ele foi e nunca mais voltou.
Paulo foi o meu último namorado. Ele era um charme de homem, mas um pouco aristrocático para o meu gosto. Como eu sou mais descolada, descontraída, mais esportiva, às vezes eu o assustava e, por isso, ouvia críticas acintosas sobre e principalmente, meu jeito de me vestir.
Como esses episódios, ocorriam esporadicamente e nem de longe me passava a ideia de me casar, novamente, fui levando. Até porque, tinha algumas vantagens tais como: passeios, viagens e sexo, como eu quisesse e, por quantas vezes eu quisesse.
Naquela noite, chovia e ventava. Acendi a lareira, separei duas das minhas melhores e mais bonitas taças de vinho, cortei em pedacinhos queijos de diferentes tipos que foram organizados em um prato de aperitivos de porcelana inglesa, um dos meus presentes de casamento com Gustavo. Já em um outro recipiente, com charme, organizei alguns cachos de uvas verdes e, rosadas. Ao lado de tudo isso, uma garrafa de vinho tinto meio seco.
Depois de tudo organizado, olhei para a sala como um todo e senti um calafrio. O que será que estava por acontecer?
Eu não estava acreditando, mas aconteceu mesmo. Assim que Paulo chegou, vi nele um sorriso tipo: hoje eu alcanço o meu objetivo.
Logo que fechei a porta por onde ele entrou fui beijada com fome e sede de carinho e atenção.
Sentou-se no meu sofá confortavelemente. Olhou bem dentro dos meus olhos e perguntou já tendo em mãos um caixinha de veludo onde supostamente havia um anel de compromisso.
- Você quer se casar comigo?
- Não - eu respondi quase imediatamente.
Não poderia viver a mesma situação que eu conhecia bem, mesmo no papel inverso. Paulo, não estava apaixonado por mim, mas sim por uma ideia que era somente dele. Nesse sonho, como não poderia deixar de ser, uma mulher fechava o quebra-cabeça desse sonho, porém, eu tinha certeza: essa mulher não era eu.
Desolado, depois de ouvir - não posso , ou ainda, não é justo nem com você nem comigo e, mesmo depois de ter explicado o porquê, ele guardou a caixinha vermelha do anel de compromisso que ele trouxera, pegou seu sobretudo e saiu porta a fora.
Eu fiquei ali, sem saber o que fazer. E se ele me amasse de fato? Será que eu não estava sobre a influência da minha história com Gustavo e que, ainda me fazia sofrer?
Resolvi me acalmar. Quem sabe ele volta...
Foram dias de espera, porém, o que desejei que acontecesse passou muito distante de mim. Ele não voltou. Viajara para uma cidade distante, me contou um dos nossos amigos em comum.
Eu precisava me libertar dessa sensação de culpa. Imaginava-o sofrendo, porém, sabia que se mantivéssemos a relação, acabaríamos sofrendo ainda mais.
Por dias, então eu repeti as seguintes perguntas: perdi a oportunidade de ser feliz? Será? Não eu respondia, mas porque tudo isto?
Lembrou-me de uma passagem em um dos livros escritos por Nietzsche - Humano, demasiado humano - Sub Título - Livro dos espíritos livres.
"Seja como fores sejas você mesmo sua própria fonte de experiência. Joque fora seu descontentamento pela sua natureza e perdoa a si mesmo. Está em teu poder misturados às suas vivências teus momentos excitantes, erros, ilusões, paixões, suas experiências, teus amores e tuas esperanças. Tua própria meta e nada mais"
Era isso. Com coragem e energética vontade eu mergulhei em alguns dos meus oásis escondidos e, busquei respostas. Tinha que me descobrir para então poder criar novas perspectivas de vida, longe das amarras do comum ou do óbvio.
Olhei para trás e comparei os homens que fizeram parte de um jeito ou de outro da minha vida e, como eles eram parecidos. Quer dizer, ausentes, dedicadíssimos ao trabalho e, que me faziam esperar dias e, às vezes até semanas por um telefonema, um abraço, um beijo ou vários. E como aqueles momentos eram compensatórios e junto a eles eu passava dias relembrando, ao mesmo tempo que voltava a esperar.
O que eu queria? Amar um homem real ou uma cópia fiel dos meus antigos amores. Não. Eu não queria me manter nesse ciclo vicioso, pouco correspondido. Queria ser eu mesma. Pensar por mim mesma.
Ser e caminhar em função de um espírito livre, desajeitado às vezes, mas livre....
Yvone Restom
25/10/2015
Enviado por Yvone Restom em 25/10/2015
Reeditado em 29/10/2015
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