Singela reflexão sobre obviedades
Muitas vezes se pensa que a melhor coisa para se escrever é o óbvio. Mas o que é o tal óbvio? Seria algo que sempre esteve debaixo do nariz ou dos olhos daqueles que não conseguem perceber? Ou algo que sempre vivenciamos, mas que não percebemos o que realmente o constitui no tempo presente? Bom, poderíamos levantar uma série de questões e, mesmo assim, isso não nos levaria a alguma paragem totalmente segura. Trata-se de mais uma daquelas coisas da vida que são sutilmente deslizantes. Assim que pensamos estar chegando perto de um real conhecimento, como um sabonete, a tal resposta escapole pelas frinchas tortas da razão e nos devolve à seara da ignorância. Arrisco, pois, dizer que o óbvio é esse agora que foge nesse milésimo de tempo e que só conseguimos enxergar um pedaço de sua cauda dobrando a esquina mais à frente. O óbvio será sempre uma condição de falta de visão esclarecida, aquela que somente é possível aos que nos circundam. Nunca conseguiremos desvendar ou encontrar-se cara a cara com o óbvio. São sempre os outros que vão nos avisar: “acabou de passar a sua frente... poxa, até que enfim, demorou para ver... pare e pense, é isso, veja direito...” Mas, quiçá, não seja esse mais um dos grandes mistérios da vida? Aquilo que não podemos ver a olho nu, mas com roupagens sociais e, muitas vezes, preconceituosas. Pode ser mesmo uma parte faltante do cubo mágico, para que possamos dar mobilidade as outras peças e montar perspectivas várias para encontrar outras variadas respostas. O óbvio é algo do passado, aquilo que nos martiriza a mente fazendo-nos pensar que poderíamos ter aproveitado melhor os instantes pretéritos, ter feito outras escolhas etc., caso conseguíssemos ter dispersado a neblina veloz dos pensamentos contemporâneos para ver além. O óbvio é ainda algo que só conseguimos encontrar quando ele deixa de ser óbvio. Lembro de uma menininha sonâmbula que, muitas vezes quando acordava na madrugada, dizia para a primeira pessoa que topasse: “óbvio!” Ou seja, talvez no descanso da consciência, no frenesi da quimera e na inércia do corpo, o tal óbvio seja ainda mais óbvio a ponto de fazer com que o enxerguemos sem excessos ou barreiras cotidianas. Mas isso é óbvio!