Não espero salvar o mundo
Sinceramente, espero jamais me resignar ou me esconder por detrás de minhas obras, sejam elas literárias (??), sociais, seculares ou profissionais. O ser, ou melhor, os seres que me compõem são latentes (pelo menos um a cada momento), e devem assim imprimir nas obras que faço, o que sou enquanto ser. Não que me veja ou me imagine, não obstante alguma vaidade nojenta e repugnante, maior que as minhas obras, ou mesmo maior que minha revolta, estas, por seus alcances sociais e humanitários, se verdadeiramente o possuem, são sempre maiores que o ser que as faz.
Sei que sou complexo e mutável, sei que muito do que sou ocorre no submundo da inconsciência, no praticamente impenetrável mundo dos instintos e dos processos mentais zumbis, que atuam abaixo da linha da consciência, sendo eu, assim, basicamente um ser inconsciente até mesmo para minha consciência, entretanto minhas obras e minha revolta devem ser uma continuidade de mim mesmo, e assim como meus acertos são meus, os erros, conscientes ou não, são também única responsabilidade minha, e por isto, por mais simplórios ou não cultos que possam ser meus textos, refletem sempre, com sinceridade, até onde possa ter consciência desta, o que sinto, o que penso, o que gostaria de falar, e o que sou em essência.
Não escrevo para receber elogios ou para agradar, pelo contrário, a maioria das vezes, escrevo para provocar. Não concordo com o que aqui está, não concordo com a sociedade que criamos, e que direta e indiretamente sou também responsável e conivente, não concordo com um estado conceitual de esperança abstrata ou de utopia irreal e inalcançável, sou um pouco pragmático neste assunto, vivo o aqui e o agora, é este espaço tempo que me interessa viver e atuar como elemento de transformação, não concordo com a inação e a omissão desumana que toma conta cada vez mais de nós, não concordo com o sofrimento alheio e com o fingimento de que não somos culpados por isto, ou com a falácia de que nada podemos fazer para mudar este estado de coisas.
O mundo está cheio de coniventes, de covardes, no mínimo por inação, de omissos, muitos por interesses próprios, outros por medo da perda do que possuem, outros por descompromisso social, outros por alienação humana, política e social, e alguns mais, por simples preguiça de pensar, racionalizar e agir. Não espero salvar o mundo, até mesmo porque entendo que o ponto de salvação já passou, caminhamos para a destruição coletiva, apenas uma calamidade ou um cataclismo podem dar nova direção ao caminhar global que imprimimos, a inércia já é muito grande, e o tempo para nos destruirmos está a caminho, mas isto não me exime de continuar lutando e tentando, pois posso estar errado em minha análise, e a inação pode somente ajudar aos interesses do sistema e dos poderosos que mais dele ganham.
Assim, falo nas letras que escrevo, e falo por minhas obras e revolta, e se conseguir que pelo menos meia dúzia de leitores repensem suas vidas a luz de alguma revolta humana contra o que aqui está, mesmo que não mudem imediatamente, ou que mudem muito pouco, já terei conseguido alguma coisa, já terei deixado uma interrogação em suas mentes.
Não sou melhor do que ninguém, ninguém deve ler meus textos como fonte de saber, ou como alguma revelação, ou mesmo fonte de luz. A leitura de meus textos, ou de quaisquer textos, deve ser feita apenas como fonte de diferente opinião, e devemos sempre racionalizar sobre eles, devemos proceder uma análise crítica, lógica, e criteriosa das fontes e o do conteúdo, os textos devem apenas servir de novos pontos de vista para uma análise, que deve ser nossa, sobre o todo que nos envolve.
O que me revolta é não ser revoltado o suficiente. Meu compromisso principal é com a vida, toda e qualquer espécie de vida, e pelo presente que dá consistência a realidade que vivo e que realizo, e sinceramente espero continuar assim até meus últimos dias. Somente me importa o passado para aprender com ele, somente me importa o porvir, para moldar e direcionar minhas ações no agora. Como falei, somente me importa o que posso e o que devo agora fazer para minimizar o sofrimento alheio e para maximizar a felicidade do verdadeiro viver coletivo.